Caxias do Sul 22/11/2024

O preço da identidade

Quando a conveniência vira risco
Produzido por Ciane Meneguzzi Pistorello , 02/10/2024 às 09:42:32
Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada
Foto: Luizinho Bebber

Nos dias atuais, a tecnologia avança a passos largos e, com ela, nossas formas de identificação também evoluem.

Os antigos documentos de papel, guardados com cuidado nas carteiras, estão sendo substituídos por sistemas de identidade digital. São práticos, eficientes e, supostamente, mais seguros. Mas será que realmente estamos trocando o velho pelo novo de forma consciente? A resposta, como em tudo que envolve tecnologia e inovação, não é tão simples.

Imagine uma sociedade em que você não precisa mais carregar inúmeros documentos. Em um clique, você tem acesso ao seu RG, CPF, carteirinha do plano de saúde, comprovante de residência e até mesmo a chave do seu carro. Parece perfeito, não é? É como viver em um filme futurista onde tudo acontece na ponta dos dedos. Mas, como nos filmes, esse cenário utópico também esconde suas sombras.

Os sistemas de identidade digital podem ser classificados em três tipos principais: centralizados, federados e descentralizados. Nos modelos centralizados, uma organização detém e controla todas as suas informações. Tudo que você faz, cada compra, cada movimento, cada interação digital passa pelos olhos atentos dessa entidade. Aqui, o usuário é apenas um número, uma sequência de dados em um gigantesco banco de informações.

Os sistemas federados não são muito diferentes. Imagine entregar suas informações a um intermediário confiável que, por sua vez, as compartilha com outros conforme necessário. Um pouco menos invasivo, talvez, mas ainda há quem observe tudo com lupa, decidindo o que você pode ou não acessar.

Finalmente, os sistemas descentralizados chegam como heróis tecnológicos, oferecendo ao usuário o controle total de seus dados. A promessa é tentadora: sem intermediários, sem espionagem. Você é dono de si mesmo. Ou pelo menos é isso que se vende. Mas, mesmo em um sistema onde você tem a chave do cofre, se perder a chave, perde o cofre – e tudo o que há dentro dele.

Aqui começam os riscos. Se por um lado esses sistemas oferecem autonomia, por outro, trazem uma complexidade que, muitas vezes, o usuário comum não está preparado para enfrentar. Perder a chave criptográfica significa perder o acesso a toda sua vida digital. Um pequeno descuido pode levar a um desastre irreversível.

Além disso, por mais seguros que esses sistemas pareçam, a verdade é que não existe tecnologia à prova de falhas. Brechas de segurança, ataques cibernéticos e violações de dados são mais comuns do que gostaríamos de admitir. Basta um deslize para que nossas informações mais pessoais estejam nas mãos de quem não deveria.

E, claro, há o problema da rastreabilidade. Cada transação, cada movimento digital, mesmo os feitos com sistemas descentralizados, deixa um rastro. A promessa de anonimato e privacidade, muitas vezes, não passa de ilusão. Em uma sociedade hiperconectada, a informação é a moeda mais valiosa, e não faltam interessados em obtê-la, seja para vender um produto ou manipular opiniões.

Nesse cenário, surge a pergunta: até onde estamos dispostos a ir pela conveniência? Trocar a segurança do papel pela incerteza do digital é um caminho sem volta. A era 4.0 exige que sejamos conscientes e críticos, que pesemos o preço de cada escolha tecnológica.

Os sistemas de identidade digital são o futuro, não há dúvida. Mas é preciso que avancemos com cautela. Não podemos nos deixar seduzir apenas pelas facilidades. A privacidade é um direito fundamental, e cada nova tecnologia deve ser pensada e implementada com respeito a esse direito.

Então, antes de digitalizar sua vida por completo, vale a pena refletir: você realmente sabe quem está por trás dos seus dados? Afinal, no mundo virtual, o preço da identidade pode ser mais alto do que imaginamos.

Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada, com pós-graduação em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Direito Digital. Presta consultoria para empresas no ramo do direito do trabalho e direito digital. É coordenadora do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em MBA em Gestão de Previdência Privada – Fundos de Pensão, do Centro Universitário da Serra Gaúcha – FSG.

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