Caxias do Sul 22/10/2024

O peso das sombras

Rever o seu passado era entrar em contato com o sombrio do que havia vivenciado
Produzido por Neusa Picolli Fante, 14/09/2024 às 09:28:36
Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas
Foto: Morgane Coloda

O peso das sombras seguia a acompanhá-lo. Quanto mais as ignorava, não desejando olhá-las, mais elas estavam presentes junto dele, deixando-o numa atrapalhação sem igual, sem saber aonde ir e nem como se libertar delas. Nos seus passos a obscuridade seguia a alcançá-lo.

A sábia anciã disse-lhe um dia: “Você precisa curar as sombras que existem dentro de você. Só assim passará pelo grande portal de um novo começo”... E ele seguiu seus dias com um desejo enorme de redescobrir infinitas possibilidades de tornar claras as sombras que constantemente o visitavam.

Afinal, precisava aprender a lidar com elas. Como manejá-las e transformá-las em algo menos assustador. Porém, antes disso, necessitava descobri-las, saber ao que estavam ligadas e o que estava por trás do que sentia. Rever o seu passado era entrar em contato com as sombras do difícil que viveu, do que sentiu, do que não conseguiu transformar.

O sombrio estava ali, maquiado, disfarçado, seguia a confundir-lhe e a ludibriá-lo...

Para resgatar isso, necessitava mergulhar fundo em si mesmo e olhar tudo que doía, tudo de que intranquilo permanecia e, por vezes, aparecia.

Ele sabia que, se encontrasse dentro dele as raízes profundas das dores que carregava, talvez não se perdesse tanto e poderia ser muito mais feliz. Preso nas sombras, ficara retido na escuridão de seus dias – hoje, não mais. Colocara o pouco de luz que conseguiu alcançar em toda a escuridão, que carregava pra lá e pra cá...

Cada vez mais próximo ele chegava, desvendava-as e se aproximava do grande labirinto chamado solidão, introspecção. Pegava cada sentimento que encontrava pela mão e, muitas vezes, não sabia o que fazer com alguns deles. Era difícil enxergá-las. Depois de olhá-las, guardava-as novamente no mesmo lugar que foram retiradas, para rever outrora com outro olhar.

Assim, pouco a pouco, elas se diluíam. Perdiam a força, a rigidez, a dor com que ali foram plantadas. O machucado, o sofrimento, a aflição, ficavam a se diluir através da compreensão, da acolhida que chegava para tudo abraçar. Nesse difícil alcançar, via se desmancharem...

Todos nós andamos entre nossas obscuridades. Me vi também, leve, andando por entre a mata naquele significativo portal que me adornava, visitando minhas sombras e cuidando delas.

Quantas sombras todos nós necessitamos curar, cuidar do que está em nós inacabado, preso, distorcido, que nos causa desconforto e nos mantém reclusos no mesmo lugar. Para só assim poder voltar a sonhar e novos projetos realizar...

Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas. É palestrante e escritora, autora de oito livros: três de psicologia, três de crônicas e dois de poesia.

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