O poeta Guido Guinizzelli, que Dante Alighieri chamou de “pai” do Stil Nuovo, nasceu em Bolonha entre os anos de 1230 e 1240, e morreu em Monselice em 1276. Há poucos dados sobre sua identidade e muitas discordâncias. A versão mais aceita é de que foi um juiz, ou jurisperito, filho de Guinizzello da Magnano, sendo sua mãe da família Ghisleri, ligada aos gibelinos. De fato, Guinizzelli aparece em atos notariais de 1266 como sendo da facção gibelina.
Os guelfos eram partidários da supremacia do papa sobre o império germânico e a favor de um regime democrático nas cidades italianas. Os gibelinos eram seus adversários, sendo contra o poder temporal do papa e a favor do poder pleno dos senhores das cidades. Em Florença, os guelfos se dividiram em dois partidos, o dos Bianchi, que se opunham ao papa e dialogavam com os gibelinos, e os Neri, fiéis ao poder do papa. Dante foi um guelfo Bianco, e por isso foi exilado.
Com a tomada do poder pelos guelfos, em Bolonha, em 1274, Guinizzelli foi exilado em Monselice, na província de Pádua, onde morreria dois anos depois. Um documento notarial, com data de 14 de novembro de 1276, atribui à mulher de Guido, Bice dela Frata, a tutela do filho menor de idade.
Da sua obra poética restaram vinte poemas de atribuição segura. São cinco canções e quinze sonetos, mais dois fragmentos. Há outras três canções de atribuição duvidosa. É uma poesia que mescla elementos da tradição siciliana e da influência de Guittone d’Arezzo, com traços inovadores, apontados por Dante Alighieri na obra Vita Nova.
Essa inovação tem sua raiz na intensa atividade intelectual da cidade de Bolonha, com sua Universidade de estudo de ciências naturais, de medicina, de filosofia e de teologia. Guinizzelli introduz no tecido dos seus poemas a indagação filosófica, a ponto de Bonagiunta, um poeta seu contemporâneo, o acusar de extrair poesia dos manuais de ciências e filosofia.
A contribuição de Guido Guinizzelli para o nascimento do Novo Estilo se dá em dois planos: o formal e o temático.
No plano formal, Guinizzelli consolida a combinação – considerada ideal por Dante – do verso hexassílabo com o decassílabo, utilizada nas canções. O próprio decassílabo, usado nos sonetos, resulta de uma montagem do hexassílabo com outras quatro sílabas. Introduz também um nível sintático linear e uma seleção vocabular que leva em conta a clareza conceitual, de um lado, e a musicalidade das assonâncias de outro. Além disso, busca renovar o repertório de imagens oriundas da escola siciliana e da poesia provençal, impregnando-as de novo sentido.
No plano temático, sua contribuição para a nova poética tem sido assim descrita:
- torna a elevação da amada a anjo do paraíso um topos da lírica italiana (CURTIUS, 1957); a figura da mulher, que com o olhar e a saudação provoca uma paixão imprevista no plano natural, deriva para seu caráter celestial: o saluto que vem dela é, além de saudação, também salvação. Esse topos vai alcançar sua maior evidência nas figuras da Beatriz de Dante e da Laura de Petrarca;
- a faculdade de amar depende de um coração “gentil”, ou nobre: a gentileza não procede da classe social, mas de uma virtude interna que eleva o espírito e se contrapõe à vulgaridade: o olhar da amada aniquila a natureza do amante e suas reações vitais, elevando-o para o plano do espírito;
- o afastamento das metáforas platônicas em favor de conceitos de procedência aristotélica. No canto vinte e seis do Purgatório (vv.88-135), Dante trava um diálogo direto com o poeta bolonhês, posto no grupo dos “luxuriosos” por amor. Na visão platônica, o amor só deveria acontecer no nível das ideias, da alma, do espírito. Com Guinizzelli, ele tem uma dimensão corporal que, no entanto, pela virtude da gentileza, não desce ao plano animal, mantendo-se em sua dignidade humana, assim elogiada por Dante:
“Este é meu pai, e pai de outros que sei
que em doces rimas vão o amor cantar”.
Toda essa visão de Guido Guinizzelli está contida na sua canção “Al cor gentil rempaira sempre amore” (“Ao coração gentil volta sempre o amor”), que é um verdadeiro Manifesto em defesa de novas regras, e que vale a pena conferir...
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
Do mesmo autor, leia outro texto AQUI