Notícias do mundo inteiro alertavam: nenhum lugar escapará ao contágio do novo coronavírus surgido em novembro de 2019 na China. No início de 2020 chegava ao Brasil e, segundo denúncias recentes, já se verificavam casos no Rio de Janeiro, e o Carnaval deveria ter sido suspenso. Não foi. Perder-se-iam os grandes lucros com o turismo intenso sempre nessa época.
A 10 de março viajamos para um passeio a Porto Alegre, com integrantes do grupo das 77, ex-alunas do Colégio Evangélico Augusto Pestana (CEAP) de Ijuí, colegas de Ginásio que se formaram no ano de 1955 do século passado, todas na faixa dos 80 anos.
Saudosismo e reminiscências. Emoções e curtição das coisas boas da vida. Como sói acontecer, as grandes datas passam voando e, de repente, nos achávamos acomodadas no ônibus da Ouro e Prata de volta à Ijuí, permanecendo as lembranças do encontro.
Neste dia já transitavam por Porto Alegre notícias sobre a chegada do vírus ao Rio Grande do Sul e a capital já tinha registros dele. Era 12 de março e eu começava a me conscientizar de que a situação seria complexa. No dia 20 de março já se sugeria que os grupos de risco se resguardassem e evitassem sair de casa. “Fique em casa” começou a ser a expressão mais ouvida em todos os meios de comunicação.
Dispensei minha diarista e convivi assiduamente com panelas, faxina, e revisões/descarte de roupas e objetos dispensáveis nesse momento de nossas vidas... Sessenta anos morando no mesmo lugar, velhice “chegando”, a hora é de desapegar e de sair do discurso para a prática...
Daí em diante, filhos distantes recomendando resguardo, amigos se oferecendo para nos socorrer com compras de supermercado, farmácias e outras urgências, notícias alarmantes, manifestações de pânico e/ou de ceticismo, escolas e universidades suspendendo aulas, comércio cerrando as portas, decretos oficializando as próximas ações (ou suspensões).
Nesse momento de perplexidade e de indefinições, começava a se instalar a dicotomia: arriscar retomando a economia já tão fragilizada a nível de Nação e de Estado ou estender a quarentena a fim de evitar o caos na saúde considerando o despreparo em equipamentos e espaços hospitalares para dar conta de um recrudescimento da situação, a exemplo de outros países?
Infelizmente, criaram-se grandes e passionais debates, ou na defesa do Ministério da Saúde, que enfatizava a importância de adiar-se o mais possível a contaminação em massa e a Presidência da República que, ostensivamente, desafiava tais recomendações como equivocadas.
O clima de campanha política tomou conta do país em um momento em que muitas pessoas procuravam recolher-se em suas reflexões sobre finitude e o estilo de vida contemporâneo, buscando transcender pontos de vista e opiniões pessoais logo aplaudidas ou rechaçadas nos múltiplos meios de comunicação de que dispomos hoje.
A introspecção e análises mais maduras têm sido prejudicadas pela polarização crescente que, infelizmente, ainda é a tônica nesse momento de fragilidade mundial e, por enquanto, sem solução à vista.
Na fase da vida em que me encontro, não tenho medo por mim. Temos consciência, Alfredo (meu marido) e eu, da vida boa e longa que temos atrás de nós, dos três filhos maravilhosos e seus companheiros (as), e dos netos que amamos, imaginando conhecer, embora apenas superficialmente, cada um. Nove ao todo; e uma bisneta. Descendência que faz a vida valer a pena.
Do que temos certeza e pelo que agradecemos infinitamente: todos de boa índole. Que a vida lhes sorria sempre na medida em que forem capazes de tirar dela as lições também de eventuais sofrimentos que os venham a atingir. Que Deus os proteja....
Hoje, 20 de abril, a pandemia está num estágio que deixa a todos inseguros, sem vislumbrar soluções, com o agravante de nova e séria polêmica que afeta a todos os brasileiros. Principalmente àqueles que conhecem um pouco da História da Humanidade e que valorizam as instituições e a democracia. Mesmo que continuem deixando a desejar, em várias instâncias, a luta deve ser por melhorá-las. Questão de evolução política e cidadã. Somos um país de dimensões continentais, de enormes diferenças culturais e de classes e muito jovem na comparação com o mundo ocidental.
Que esses tempos difíceis passem e nos tornem mais reflexivos, mais sensatos e mais tolerantes com as diferenças. E mais amorosos. Que aprendamos todos a olhar para dentro de nós mesmos e a buscar, na transcendência, amparo e paz interior.
Mônica Brandt é historiadora e professora aposentada do Colégio Evangélico Augusto Pestana, de Ijuí (RS)