Caxias do Sul 22/11/2024

O multifacetado Clint Eastwood comemora 90 anos

Um breve olhar sobre a carreira desse durão sensível, muitas vezes polêmico
Produzido por Eulália Isabel Coelho, 31/05/2020 às 09:44:58
Foto: LUIZ CARLOS ERBES

Por Eulália Isabel Coelho

Clint Eastwood completa 90 anos neste final de semana com o vigor geminiano de filmar e mais filmar. Aposentou-se apenas da carreira de ator com “A mula” (2018). São mais de 70 filmes no currículo, 41 deles como diretor. Ganhador de quatro Oscar e três Globo de Ouro, entre inúmeros outros prêmios, Clint iniciou a carreira em 1959 como Rowdy Yates, protagonista da série televisiva “Rawhide”, que ficou no ar por oito anos. Antes disso, fez filmes B de ficção-científica como “Tarantula” e “A revanche do monstro”, ambos de 1955 (seu nome não aparece nos créditos).

Foi nas mãos do diretor italiano Sergio Leone que ganhou notoriedade no spaguetti western. Participou da Trilogia dos Dólares como o Homem sem Nome, o anti-herói misterioso de “Por um punhado de dólares” (1964), “Por uns dólares a mais” (1965), e “O Bom, o Mau e o Feio” (1966), também titulado como “Três homens em conflito”. Todos com música do genial Ennio Morricone, compositor e maestro italiano criador de trilhas famosas.

Clint é o Homem sem Nome dos spaguetti westerns de Sergio Leone

Atuou na década de setenta em cinco filmes da saga Dirty Harry, além de “Alcatraz - Fuga impossível” (1979), todos sob direção de Don Siegel. Em 1971 fundou a Malpaso Productions, na qual realiza “O estranho que nós amamos”, baseado no romance de Thomas P. Cullinat, “The beguiled”, (algo como “O seduzido”) dirigido por Siegel. Nesse mesmo ano, estreia atrás das câmeras em “Perversa paixão”, no qual é também protagonista.

À época, colegas, cineastas e produtores caçoavam dele por se “aventurar” como cineasta, pois o consideravam “apenas um ator de filmes de ação”. Somente em 1988, Clint viraria o jogo com “Bird”, a cinebiografia do saxofonista Charlie Parker, vivido por Forest Whitaker, que levou o prêmio de Melhor Ator em Cannes. Clint recebeu o Globo de Ouro de Diretor por esse trabalho.

Romântico em “As Pontes de Madison", com Meryl Streep

Com altos e baixos na carreira, torna-se notável como diretor na década de noventa com a obra-prima “Os imperdoáveis” (1992) e o sensível “As pontes de Madison” (1995), com Meryl Streep. Nos anos 2000, o cineasta parece ganhar fôlego em produções aclamadas. “A conquista da honra” e “Cartas de Iwo Jima”, ambos de 2006, são filmes complementares e imprescindíveis sobre a 2ª Guerra Mundial. Em 2008, ele surpreende com “Gran Torino”, no qual é o ator principal, e “A troca”, com Angelina Jolie. Dirige “J. Edgar” (2011), com Leonardo DiCaprio, “Sniper americano” (2015), com Bradley Cooper, e “Sully (2016), com Tom Hanks. “O caso Richard Jewell (2020) é sua mais nova produção que, como tantas outras, rende algumas polêmicas.

“Menina de Ouro”, drama sensível com Hilary Swank

“Gran Torino”, questões raciais e aprendizados

MINHA CLAQUETE

São Paulo, 1992. São 13h na Av. Paulista. Na sala de cinema, apenas duas senhorinhas umas três fileiras à frente da minha. Na tela, a imagem de uma árvore ao longe em plano aberto. Um homem cava a terra à luz crepuscular. Ouve-se a música pungente. É o “Tema de Claudia” ao piano, musicado por Clint com participação do violonista brasileiro Laurindo Almeida. Trata-se de “Os imperdoáveis”, obra que é um divisor na carreira de Clint e também sua despedida do gênero que o consagrou, o western.

“Os imperdoáveis” está na minha claquete, ainda que eu tenha simpatia por outros de seus filmes. Impossível esquecer o impacto que me causou naquela tarde perdida no tempo. Assim como é impossível não lembrar das atuações de Morgan Freeman, Gene Hackman e Richard Harris. A obra recebeu o Oscar de Melhor Filme, Gene Hackman de Melhor Ator Coadjuvante, Clint de Melhor Diretor e ainda teve Melhor Montagem para Joel Cox. Ao todo, incluindo Globo de Ouro e Bafta, somam-se 17 prêmios.

Clint dedicou “Os imperdoáveis” aos amigos Sergio Leone e Don Siegel, que ele considera seus mestres na arte da direção. A homenagem aparece no final dos créditos do filme.

Com Morgan Freeman, em western que é obra-prima

Assista aqui ao trailer oficial de OS IMPERDOÁVEIS (sem legendas)

Falar de Clint sem citar música é impossível. Quando jovem, aprendeu piano e levou sua paixão para o cinema ao compor trilhas sonoras ou temas título para seus filmes. Na série “The Blues” (2003), de Martin Scorsese, Clint dirige o episódio “Piano Blues”, em que homenageia o estilo com participações especiais. “Se eu fosse mais disciplinado, poderia ter sido músico”, revelou certa vez. Além de jazz, ele gosta de country porque “as canções contam uma história e você entende as letras”.

Em 2014, adaptou para o cinema o musical da Broadway (também apresentado em Londres) “Jersey Boys – Em busca da música”, levando praticamente todo o elenco da peça para a tela.

Formação musical e paixão pelo jazz em suas veias (Foto de Kevin Scanlon)

Sente o som: CLINT EASTWOOD AO PIANO em dois raros momentos.

E músicas tema compostas por ele para nove de seus filmes, incluindo o “Tema de Claudia”.

NO ROTEIRO

Confira algumas falas do diretor em entrevistas ao El País, Empire, PersonaCinema e Folha de S. Paulo:

“Há um rebelde que reside profundamente em minha alma”

“O trabalho me mantém jovem”

“Se você desfruta do que está fazendo e continua aprendendo, permanece vivo. Os anos não significam nada”

“Ninguém chega à posição em que estou sendo uma unanimidade”

“A esta altura da minha carreira, não tenho medo de nada”

“Cinema não é só uma forma de arte intelectual, é uma forma de arte emocional”

“Sempre senti uma inveja saudável de Milos Forman, porque eu teria gostado de dirigir “Amadeus” (1984)

“No final, você simplesmente tem que ficar feliz com o que faz. Ali está você”.

“Não se deve levar as coisas muito a sério”

DE OLHO NO SET

A revista britânica Empire colocou o ator e diretor no ranking dos 100 maiores astros de todos os tempos

Clint fez sua pré-estreia na direção durante as filmagens de “Dirty Harry” (1971) ao substituir o cineasta Don Siegel, que ficou doente.

O diretor não gosta de ensaios, prefere filmar imediatamente, pois aprendeu com Don Siegel que a “análise leva à paralisia”. Por isso, é conhecido por captar o momento já na primeira tomada.

A série “Rawhide” ganhou uma caixa em DVD em 2016, alguns episódios foram lançados pela livraria da Folha de S. Paulo.

“Os imperdoáveis” tem remake japonês intitulado “Yurusarezaru Mono” (2013). Lee Sang-Il dirigiu e adaptou o roteiro original de David Webb Peoples. Nele, os cowboys do Velho Oeste tornaram-se samurais.

“O estranho que nós amamos” ganhou versão da diretora Sofia Coppola em 2017, com inúmeras supressões de temas polêmicos como incesto, pedofilia e escravidão. O resultado é um filme que se sustenta apenas pela estética.

Estwood foi eleito prefeito de Carmel em 1986, mas não quis seguir na política: “Amo demais os filmes para fazer isso”, afirmou.

Antes de ser ator, Clint foi lenhador, bombeiro florestal, operário e instrutor de natação quando serviu o exército

Eulália Isabel Coelho é jornalista, professora de cinema e escritora

e-mail: bibacoelho10@gmail.com

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