Caxias do Sul 22/11/2024

O fim da corrida mais charmosa do Brasil

Sucessão de acidentes determina o epílogo de capítulo histórico do automobilismo nacional
Produzido por Luiz Carlos Secco, 23/05/2023 às 09:06:25
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Foi um dos momentos mais tristes do automobilismo brasileiro quando, em dois dias de julho de 1968, ocorreram quatro acidentes na corrida Três Horas de Petrópolis. O horror tomou conta de espectadores e pilotos na histórica e nobre cidade do Rio de Janeiro. Por esses acidentes, a prova, sempre muito aguardada e realizada no mês de julho, deixou de existir há 55 anos.

Com a implementação da indústria automobilística, que gerou grande interesse pelo automobilismo e a existência somente do autódromo de Interlagos, o automóvel incentivou a promoção de corridas em cidades do interior dos estados, que passaram a funcionar como instrumentos promocionais para as diferentes marcas que existiam no mercado.

A falta de experiência dos funcionários das fábricas e dos dirigentes do automobilismo não deu a eles a preocupação necessária com a segurança dos pilotos e, principalmente, dos espectadores que assistiam às provas na beira das pistas com a passagem dos carros próxima a eles, provocando emoção, mas também muito perigo. Como em outras cidades, a corrida de Petrópolis era disputada num circuito montado nas ruas, algumas delas estreitas e de pavimentação irregular e sem qualquer proteção aos espectadores e nem aos pilotos.

Naquela época, apenas em pontos mais perigosos dos circuitos eram utilizados sacos de areia, fardos de alfafa e pneus velhos improvisados como barreiras por não existirem guard-rails com poder de contenção dos carros que perdessem a trajetória por falha mecânica, descuido ou imperícia dos pilotos.

O show de horrores em Petrópolis começou no sábado, dia de treino e reconhecimento da pista com um novo capítulo no domingo, durante a principal corrida do programa.

No sábado, o jovem piloto Sérgio Cardoso, com atuações muito elogiadas e que iria competir em revezamento com seu irmão, Sidney Cardoso, perdeu o controle do automóvel, que saiu da pista, superou os sacos de areia que serviam de proteção e colidiu com um poste, sofrendo sérios ferimentos. Foi removido para um hospital, mas faleceu na madrugada de domingo. Outro acidente envolveu Aloísio Kreischer, com leves ferimentos e sem sérias consequências.

No domingo, sob clima de apreensão de pilotos e dirigentes pelos acidentes ocorridos na véspera, após a largada da corrida, o paulista Luiz Pereira Bueno, com um protótipo Mark II, da equipe Willys, assumiu a liderança, seguido pelo também paulista Ubaldo César Lolli, com um Alfa Romeo, da equipe Jolly-Gancia. Na terceira volta da prova e na mesma curva em que Sérgio Cardoso sofrera acidente na véspera, o automóvel Mark I, da equipe Willys, conduzido pelo jovem paulista Carol Figueiredo, derrapou na areia acumulada na beirada da pista, superou a barreira de sacos de areia de proteção, colidiu com uma parede e um poste e ainda atravessou a pista, indo esfacelar-se contra outro poste. O carro ficou totalmente destruído e Carol muito ferido, com fratura de uma vértebra que, por pouco, não atingiu os seus pulmões.

Ruas da cidade serviam de circuito para as disputadas provas (Foto: Arquivo Nobres do Grid)

Pilotos amigos o socorreram rapidamente, ajudando os integrantes da equipe de resgate. O piloto Wilson Fittipaldi Junior tomou-o nos braços e o levou até a ambulância para a sua remoção ao hospital.

Em ato final de pavores, o também piloto, Joaquim Carlos Mattos, conhecido como Cacaio, que foi assistir à corrida dos amigos e que participou do resgate de Carol, preocupado com a confusão, teve a iniciativa de sair correndo pela pista, em sentido contrário da corrida, agitando os braços para alertar outros pilotos sobre o acidente na prova.

Infelizmente, procurando neutralizar o perigo, foi atropelado pelo carro líder da prova, o Bino Mark II, da equipe Willys, conduzido por Luiz Pereira Bueno, que desviara do caminhão do corpo de bombeiros, que havia entrado na pista ao ser chamado para atender o acidente sofrido por Carol. Como todas as pessoas, fiquei assustado ao ver o jovem Cacaio, elegantemente vestido com um conjunto esportivo de cor cinza-claro e com o forte impacto recebido, ser jogado para o alto e seu corpo girando no ar até cair no solo, desfalecido.

Jovem integrante da geração de ouro de pilotos brasileiros, de elevada estatura, espessa cabeleira, que lhe valeu o apelido de Tricomicina, alusivo a um medicamento da época para tratamento capilar e amplo sorriso, o modelo de ser humano ficou estirado na pista até chegarem os socorristas.

O ambiente ganhou clima de temor de novos acidentes porque a corrida teve sequência, apesar da insegurança pela invasão da pista pelo público. Enquanto Cacaio era socorrido por amigos e integrantes da equipe médica, dirigi-me apressadamente ao diretor da prova, senhor Amadeu Girão, pedindo a interrupção da corrida, agitando a bandeira de cor vermelha do regulamento internacional. Naquele momento de pânico geral e descontrole emocional, o senhor Girão me perguntou se a Imprensa apoiaria a decisão, o que confirmei, com segurança, porque era a medida correta a ser tomada. Infelizmente, Cacaio ficou internado ao longo de aproximadamente um mês, mas não resistiu aos ferimentos.

Carol Figueiredo relembrou o momento do acidente e as condições da pista, e admitiu ter cometido um erro na frenagem para entrar na curva perdendo o comando do carro sem poder evitar as batidas que sofreu. Mas considerou que seu erro foi em consequência da mudança de sentido da corrida, que até um ano antes era no sentido horário e, em 1968, foi o sentido anti-horário, o que fez os pilotos perderem a referência das curvas.

Francisco Lameirão, também integrante da equipe Willys, informou que outro problema do circuito foram as irregularidades do piso da pista, com ondulações, que provocaram colisões do assoalho dos carros como solo, e levou Wilson Fittipaldi Júnior a desistir de participar porque o assoalho de seu Fitti-Porsche chocava-se com o solo, comprometendo a estabilidade do automóvel.

O automobilismo sempre foi uma das atrações mais admiradas de Petrópolis desde 1908, quando foi promovida a primeira prova na cidade e ganhou maior importância em 1948, com a participação de pilotos do Rio de Janeiro e também de São Paulo. Com os acidentes da edição de 1968, as corridas foram encerradas, mas até os dias atuais são realizados na cidade outros eventos com automóveis, como rallies, exposições e desfiles de carros antigos.

Fundada em 1841 e elevada a município seis anos depois, por ser caminho do ouro que levava expedicionários a Minas Gerais em busca do precioso material, Petrópolis ganhou importância e projeção pela presença do monarca D. Pedro I. A beleza e o ameno clima atraíram D. Pedro I, levando-o a adquirir uma propriedade para ajudar no tratamento de saúde de sua filha.

A presença do imperador e de sua corte nas temporadas de verão atraiu nobres personalidades, políticos, diplomatas, intelectuais e negociantes, o que incentivou a construção de palacetes que, atualmente, fazem parte do patrimônio arquitetônico do centro histórico da cidade.

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Luiz Carlos Secco trabalhou, de 1961 até 1974, nos jornais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, além da revista AutoEsporte. Posteriormente, transferiu-se para a Ford, onde foi responsável pela comunicação da empresa. Com a criação da Autolatina, passou a gerir o novo departamento de Comunicação da Ford e da Volkswagen. Em 1993, assumiu a direção da Secco Consultoria de Comunicação.

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