Na condição de visitante temporário e pesquisador, me sinto à vontade para relatar o que vejo por aqui nas ações de vários agentes locais. A cidade de Detroit pertence ao estado de Michigan, que está com o decreto de “Ficar em Casa” desde o dia 13 de março. A data inicial era até o último final de semana, mas já foi estendido até o final do mês, seguindo orientações do governo federal.
A cidade está sofrendo muito. É uma cidade de aproximadamente 650 mil habitantes, com uma população bastante carente. No dia 10 de abril, a cidade contava 6218 casos com 327 mortes. É a terceira cidade mais atingida pela Covid-19 do país.
Neste sentido, tenho acompanhado os pronunciamentos do prefeito, que foi eleito em 2013 e reeleito em 2017, ou seja, assumiu a cidade no momento crítico da falência do município e se mantém até hoje. A seriedade e o comprometimento da comunidade local é exemplar. O prefeito solicita que sejam cumpridos os decretos estaduais, da governadora Gretchen Whitmer, que também vem atuando de forma exemplar.
Na semana passada, como forma de amenizar a dor e a tensão da situação atual, ela inclusive abriu uma exceção no seu decreto e fez uma live nas redes sociais, autorizando o Coelho da Páscoa e a Fada do Dente a trabalharem, “tranquilizando” um pouco as crianças. Aqui em casa a mensagem foi muito bem recebida!
Quanto ao engajamento, o relato do chefe de polícia é um choque de realidade. Começa comunicando que foram feitas 952 checagens de situações em um dia, sendo que, nestas, foram emitidas 261 advertências verbais e 56 citações por escrito. Neste dia também foram desfeitas 34 aglomerações, intervieram encerrando oito festas particulares, e ainda um negócio foi obrigado a fechar à força por não estar atendendo às normas do decreto estadual. Neste mesmo dia, foram emitidas 56 multas de mil dólares cada, uma para quem não estava cumprindo o decreto estadual.
A mensagem final do prefeito e do chefe de polícia é de que qualquer situação que descumpra o decreto estadual é para ser comunicada à polícia, que ela prontamente irá se apresentar para resolver a situação. Conclusão a que chego é que a comunidade está realmente empenhada em mitigar o espalhamento do vírus, pois estas quase mil checagens foram denúncias de vizinhos, atitude que, o prefeito reforça, “se por acaso você não andar na linha, o vizinho certamente irá ligar e será emitida uma multa”. A recomendação é para deixarem os aniversários, eventos e reuniões para depois que acabar a quarentena.
Enfim, é impossível acompanhar intensamente tudo isso aqui de perto e não sentir uma angústia muito grande com o tratamento que está sendo dado por muitos no Brasil. Minha esperança é que estas duas a três semanas passadas de quarentena no Rio Grande do Sul e em Caxias do Sul possam ter mitigado o vírus no início da sua contaminação.
Receio que este relaxamento muito forte das medidas de distanciamento social em nossa comunidade nos próximos dias possa provocar situações muito difíceis a serem enfrentadas pelo sistema de saúde local, pois, enquanto esta crise, que é uma das maiores na saúde pública da história da humanidade, for analisada sob o ponto de vista puramente econômico e do ponto de vista político-eleitoral, ideológico, com base no senso comum em teorias de conspiração, curas milagrosas e ignorando os dados fornecidos pela ciência e pela experiência que outros países estão passando, realmente temo muito por nossa cidade, nosso estado e nosso país.
Rafael de Lucena Perini já atuou como empreendedor no setor de chocolates em Caxias do Sul por 10 anos. Bolsista no Doutorado em Administração de Empresas na Universidade de Caxias do Sul (UCS) e professor licenciado do Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG), atualmente é pesquisador visitante da Wayne State University, em Detroit. Dedica sua pesquisa a temas relacionados ao desenvolvimento nas cidades.
e-mail: perini.usa@gmail.com
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