Caxias do Sul 23/11/2024

O desafio da sucessão em empresas familiares

Nunca é cedo demais para começar a planejar o processo que pode garantir a perenidade do negócio
Produzido por Cristiano Venâncio , 14/05/2024 às 08:28:33
Cristiano Venâncio é mestre em Governança e Sustentabilidade
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Recentemente, o “The New York Times” publicou uma extensa reportagem sobre o imbróglio sucessório da gigante sul-coreana LG, um império de US$ 10 bilhões que era comandado por Koo Bon-moo, falecido em 2018, aos 73 anos.

O enredo parece coisa de cinema (ou de seriado, como já vimos no fenômeno “Succession”) e envolve um sobrinho adotado como filho (para manter a primogenitura masculina), a falta de um testamento e acusações de conluio por parte da viúva e das filhas biológicas do ex-presidente da empresa.

É claro que se trata de um caso extremo e quase anedótico, mas ele ilustra o quão importante é ter um planejamento sucessório. Se uma multinacional quase octogenária não está imune a problemas do gênero, por que outros negócios estariam? Isso inclui pequenos e médios negócios (PMEs) brasileiros.

Lembremos que cerca de 90% das empresas brasileiras são familiares e empregam 75% da força de trabalho do país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Ao mesmo tempo, a estimativa do Banco Mundial é de que somente 30% das organizações com esse perfil vão chegar à terceira geração.

Uma boa notícia é que os empresários e empreendedores estão reconhecendo a importância do tema. Se em 2021 24% dos membros da geração atual de empresas familiares no Brasil (30% no mundo) afirmavam ter um plano de sucessão robusto, no ano seguinte a porcentagem saltou para 67% e 61%, respectivamente, de acordo com a Pesquisa Global NextGen 2022 da PwC. Uma das razões dessa mudança de mentalidade foi a eclosão da pandemia de Covid-19, quatro anos atrás, que deixou claro que não se pode descartar a ocorrência de eventos imprevisíveis tanto nos negócios quanto na própria vida pessoal.

A sucessão é inevitável para toda e qualquer organização familiar que mira a perenidade para além do ciclo – profissional e de vida mesmo – do fundador. Mais cedo ou mais tarde, a próxima geração assumirá o controle. Um erro bastante comum, porém, é que esse processo seja deixado para a última hora. Apostar todas as fichas num único plano também é outro equívoco corriqueiro.

O natural é escolher uma pessoa, somente, para se tornar o próximo CEO, por uma série de fatores, que podem ir da proximidade e identificação com o fundador até aptidão e competências. A vida, entretanto, não é uma ciência exata. O filho primogênito que foi considerado o sucessor ideal a vida toda e preparado para isso pode, muito bem, mudar de ideia, enquanto eventuais outros filhos não foram capacitados para a função.

Casos assim representam uma sinuca de bico, com a trajetória profissional do fundador chegando ao fim sem a figura do sucessor. O resultado óbvio é uma empresa que vai passar por dificuldades, menos profissionalizada do que antes e com perspectivas de sobrevivência reduzidas.

Ainda, há que se ressaltar que, por mais que a sucessão seja inevitável, ela pode ocorrer em circunstâncias diferentes. Pode se dar, inclusive, por meio de uma fusão ou aquisição, pois transferir a propriedade da companhia também é uma forma de sucessão.

Recorde-se que a sucessão em tempos disruptivos envolve também a possibilidade de não ter familiares da geração mais nova interessados em seguir os negócios da família. É um processo de sucessão em ruptura, envolvendo o rompimento com a linha sucessória familiar. Situações como essa estão se tornando mais comuns com os choques geracionais de interesses dos membros mais jovens e mais velhos do círculo familiar.

Essencial, portanto, ressignificar o olhar sobre a sucessão nesses novos tempos, com novos modelos de negócios, hábitos e comportamentos. Pela frente, as famílias empresárias têm o desafio de entender o novo cenário e se abrir para eles, a fim de fortalecer, e não destruir, tudo o que foi construído até então. E quanto mais cedo se pensar a respeito e elaborar um planejamento sucessório, melhor.

Cristiano Venâncio é mestre em Governança e Sustentabilidade pela ISAE e CEO da Ora Estratégia, Inovação e Governança.