Os primeiros italianos que desembarcaram no Rio Grande do Sul foram os participantes da Revolução Farroupilha (1835 – 1845). Três nomes ficaram marcados na história: Giuseppe Garibaldi, Luigi Rossetti e Tito Livio Zambeccari. Dos três, Garibaldi foi o mais famoso. Mas os outros dois também tiveram participação ativa na história gaúcha.
Rossetti comprou prensa tipográfica em Montevidéu e fundou o jornal O Povo, impresso em Caçapava, que teve 47 edições: morreu de um golpe de lança na tomada de Viamão, com 40 anos de idade. Zambeccari era cientista: fez o primeiro mapa de Porto Alegre, fez medição de terras na colônia de São Leopoldo e catalogou mais de mil espécies de vegetais num herbário na região das Missões. Era também uma espécie de “secretário sem pasta” de Bento Gonçalves.
Giuseppe Garibaldi, um dos primeiros italianos a pisar em solo gaúcho
Mas não há dúvida de que essa trindade não veio sozinha. E também não há dúvida de que nem todos voltaram para a Itália com o desfecho da Guerra dos Farrapos. Vir para a América era um sonho não só para os banqueiros Cavalcanti. O paese della cuccagna atraía também os que beiravam a miséria e um que outro aventureiro. Dois tipos desses entraram como personagens na literatura rio-grandense, lá no começo.
Um deles foi criado por Caldre e Fião, apelido que José Antônio do Vale acrescentou ao nome. Ele ganhou de Guilhermino César, em sua História da Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Globo, 1956) o título, um pouco desafiador, de “O Criador do Romance”.
De fato, seu romance O Corsário foi publicado em 1851. Portanto, alguns anos antes de O Guarani de José de Alencar. Além de ser o primeiro romancista brasileiro, na opinião de meu mestre (e professor!) Guilhermino César, introduziu quem sabe o primeiro personagem italiano na ficção brasileira: o corsário Vanzini.
Caldre e Fião, autor de "O Corsário"
Vanzini é um aventureiro, capitão de navio corsário, expulso de Veneza, que vem dar na praia de Tramandaí. Maria, moça do local, encontra Vanzini desfalecido num cômoro de areia, se apaixona por ele e foge com o amante. Quando descobre que ele só quer ficar rico, Maria o abandona e casa com um vaqueano.
No romance, Vanzini luta sob as ordens de Garibaldi, perto da Lagoa dos Patos, esperando recompensa. Mas o eixo dramático da narrativa é a história da paixão de Maria por Vanzini. Matias, um dos personagens, tem a seguinte fala, nem um pouco simpática:
- “Italiano!... Quanto tenho sofrido desses macarrões!... Deram-me, é verdade, bastantes lucros no tempo da guerra; mas agora, santa virgem! Agora têm-me esfolado à grande!”.
“Macarrões” atuantes na Guerra dos Farrapos certamente serviram de referência para Caldre e Fião. Verdade é que ele fez curso de Medicina no Rio de Janeiro, e pode ter aprendido lá esse epíteto desabonador.
Já a geração seguinte, como observa Guilhermino César, “sequiosa de assuntos gauchescos, tomou outra direção”, o que não tira de Caldre e Fião “o mérito de haver ajudado a criar o romance”. (op. cit., p 150)
A figura do italiano retorna com força em “O gringo das linguiças”, de Simões Lopes Neto, na obra Casos do Romualdo (1914). Nesse conto, de assunto gauchesco, o autor explora o estereótipo do italiano esperto (furbo). Situa a narrativa na Serra do Caverá, cenário próximo, portanto, da Quarta Colônia de Silveira Martins. Ela foi destinada a imigrantes italianos, dentro da estratégia de produzirem alimento para a base militar de Santa Maria. Domenico, “o gringo” do conto, faz linguiças nas tripas de cachorros vivos, aos quais dá a carne para engolir. E fala num italiano misturado com português com o personagem Romualdo.
Há depois várias figuras de italianos também em Erico Verissimo. Em Música ao Longe, Vittorio Gamba busca a ajuda de Olivério Albuquerque e depois executa a hipoteca da casa do velho coronel. Em O Tempo e o Vento, entre outras figuras menores, como o ferreiro Arrigo Cervi, há o médico Dante Camerino, afilhado de Rodrigo Cambará, e o também médico Carlo Carbono.
A partir desses autores, personagens italianos aparecem cá e lá em quase toda a literatura rio-grandense. Moacyr Scliar, por exemplo, em Festa no Castelo, traz um sapateiro, Nicola Coletti, com ideais utópicos socialistas. Sérgio Caparelli, em Vovô Fugiu de Casa, mostra o velho Beppe, que foge para não ir para o asilo e faz um percurso pelas colônias italianas do sul.
É só ler e respigar...
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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