Por Eulália Isabel Coelho
O ano em que vivemos em perigo chega ao final. E nele, temos a oportunidade de acompanhar a história de Augustine Lofthouse (George Clooney), um cientista isolado por vontade própria em um observatório espacial no Círculo Polar Ártico. É fevereiro de 2049 e faz pouco tempo do “incidente”, como é nomeado na obra a catástrofe que dizimou o planeta.
A Terra como a conhecemos não existe mais. Os sobreviventes abrigam-se sob o solo. Não vemos os lugares de refúgio e seus habitantes, não é preciso mostrá-los. Nos encolhemos um pouco na poltrona diante de uma ficção que não é de todo impossível. O filme expõe justamente isso, há um preço a pagar pelo nosso descaso.
Não há como assisti-lo sem traçar um paralelo com os eventos atuais desse 2020 impiedoso, que nos infligiu tantas perdas, medo e impotência. Embora tenha sido filmado sem essa intenção, entre outubro de 2019 e fevereiro de 2020, a obra dialoga com o presente. “Uma coincidência triste”, disse Clooney em entrevista.
Confinamento, espera e expectativa estão em O Céu da Meia-Noite, lançamento da semana na Netflix. Inspirado no livro “Good Morning, Midnight” (2016), de Lily Brooks-Dalton, o filme é produzido, protagonizado e dirigido por George Clooney. O longa é um convite à reflexão sendo ele próprio assim, com camadas meditativas, de silêncios e abismos interiores.
São dois núcleos narrativos. No de Augustine, o que se vê é um homem enfermo e desencantado, que escolhe a solidão como encontro e despedida ao mesmo tempo. Mas ele não está totalmente só, há uma menina, “que ficou para trás”, que irá acompanhá-lo nessa jornada.
A outra narrativa se passa na nave Aether que está retornando à Terra depois de uma expedição científica em busca de um “Planeta B”, uma lua de Júpiter potencialmente habitável para os seres humanos. Os tripulantes, sem comunicação com a Nasa ou outros observatórios, desconhecem o fatal deterioramento terrestre.
A conexão entre os dois núcleos se dá pela tentativa de Augustine avisar aos tripulantes que já não existe mais um lar para eles. A palavra casa é repetida algumas vezes no filme. É reconfortante para os astronautas voltar a ela e desconfortável para Augustine tentar interromper esse retorno.
Iris e Augustine isolados no Barbeau Observatory
Sully e Adewole, tentativas de comunicação com a Terra
Se pegarmos a questão da comunicação inviável ou truncada, já temos muito a comparar com os tempos atuais. Augustine é a melancólica representação dos que tentam ser ouvidos, dos que precisam avisar, ponderar. Ele fala com a menina que “ficou para trás”, Iris, que, se não lhe responde com palavras, o faz com as expressões faciais. Seu olhar aquece-o em sua tristeza.
Na nave, Sully (Felicity Jones) e seus companheiros representam os que não têm respostas. Não há como obtê-las, mas eles não desistem em suas tentativas. Informar é um verbo tão importante aqui quanto a palavra casa. “As pessoas querem ir pra casa”, diz alguém a Augustine quando o observatório está sendo evacuado. “E onde é isso?”, indaga ele.
É disso que fala O Céu da Meia-Noite, da necessidade de sabermos onde é a nossa casa, o nosso lar quando já não houver mais lugar seguro. O questionamento é sobre como tratamos o nosso planeta escasseando suas riquezas naturais, matando-o um pouco a cada segundo. Não cuidamos bem da nossa casa e sabemos disso, mas temos ignorado as consequências.
Se as causas do “incidente” não são abertamente reveladas, as falas entre Sully e Augustine nos remetem ao que culminou no catastrófico destino da humanidade. Apesar do tom muitas vezes sombrio e dos clichês no núcleo espacial, o filme também tem seu potencial de esperança, algo de que muito precisamos agora.
Assista ao trailer legendado AQUI
FICHA TÉCNICA
O Céu da Meia-Noite (The Midnigh Sky, EUA, 2020)
Direção: George Clooney
Adaptação e Roteiro: Mark L. Smith
Elenco: George Clooney, Felicity Jones, David Oyelowo, Démian Bichir, Kyle Chandler, Tiffany Boone, Caoilinn Springall.
Duração: 122 min
Augustine, batalha pessoal introspectiva
DE OLHO NO SET
Parte das filmagens de O Céu da Meia-Noite aconteceu na Islândia, na geleira de Vatnajökull, a maior calota de gelo daquele país.
O restante foi filmado em Londres, no Shepperton Studios, famoso por abrigar a rodagem de clássicos como Laranja Mecânica (1971) e Alien (1979).
A atriz Felicity Jones (foto abaixo), grávida no filme, está também na vida real. Ela descobriu a gravidez quando a produção já havia começado. Então, Clooney e o roteirista Mark L. Smith mudaram a história da sua personagem.
Para quem não lembra, Clooney atuou em outros dois filmes sci-fi: Solaris (2002) e Gravidade (2013).
O filme é o primeiro projeto da produtora Smokehouse Pictures fundada por George Clooney e seu colega produtor Grant Heslov. O longa foi direto para a plataforma de streaming.
George Clooney afirmou em entrevista online para veículos midiáticos:
"Estamos todos em quarentena agora, bebendo virtualmente com os amigos e jantando na frente da TV para ter uma sensação de lar, de realidade, de encontros. O Céu da Meia-Noite não está longe disso".
Eulália Isabel Coelho é jornalista, professora de cinema e escritora
bibacoelho10@gmail.com
Da mesma autora, leia outro texto AQUI