Uma das muitas emoções que ganhei de presente durante a filmagem de "O Quatrilho" foi, sem dúvida, a presença de José Lewgoy no elenco. E tenho certeza de que, para ele também, foi grande a emoção de participar do filme.
Nesta semana transcorreu o centenário de seu nascimento, ocorrido a 16 de novembro de 1920. Sirva esta pequena lembrança como uma homenagem saudosa à trajetória do ator que deixou marcas lendárias no cinema brasileiro, e que nos deixou em 2003.
Sua biografia é repleta de lances curiosos. Nasceu de pai russo e mãe norte-americana na localidade de Monte Vêneto. Naquele tempo, Monte Vêneto pertencia à colônia de Alfredo Chaves, que em 1943 mudou o nome para Veranópolis. Antes disso, Monte Vêneto, no período do nacionalismo feroz dos anos trinta, já havia passado a se chamar Cotiporã. Hoje, Cotiporã é também município.
Vivendo numa colônia italiana, José Lewgoy aprendeu a falar o Talian. E, com a mãe, aprendeu inglês na cozinha. A mãe o colocou numa escola metodista americana em Porto Alegre, e ali ele começou a carreira de ator no Teatro do Estudante. De ator, de tradutor de peças teatrais, de diretor. Na estreia de uma peça de Jean Anouilh, que ele traduzira do francês, o jovem José Lewgoy conheceu Erico Verissimo.
Abriu-se então um novo capítulo. Erico Verissimo vivia nos Estados Unidos - onde seu filho Luís Fernando aprendeu a tocar saxofone em banda de jazz! -, e estava acompanhado do adido cultural americano, que gostou tanto da atuação de Lewgoy que ofereceu a ele uma bolsa na Universidade de Yale, onde se formou em direção teatral.
José Lewgoy interpretando “Rocco”, em cena de “O Quatrilho”, filmado na Serra Gaúcha em 1995 (Foto de Fernanda Davoglio, banco de dados do jornal “Pioneiro”)
De volta ao Brasil, fez sua estreia no cinema, em “Carnaval no Fogo” (1949). Ao lado de quem? De Oscarito – que hoje é nome de troféu no Festival de Cinema de Gramado – e de Grande Otelo, tornando-se famoso pelo modo como representou o bandido “Anjo”: “fiz um bandido suave, irônico, cínico e ameaçador”.
A partir daí, consagrou-se com um dos ícones do cinema chanchada, momento em que o Brasil viveu sua única experiência de cinema como indústria de entretenimento. Sonho que Luiz Carlos Barreto, produtor do filme “O Quatrilho”, tinha em mente ressuscitar, e que foi um dos objetivos buscados por ele nesse filme. Do cinema, onde fez mais de cem filmes, sendo o ator brasileiro mais conhecido fora do país, Lewgoy foi para as novelas de televisão, tornando-se ainda mais popular.
Por essas e mil outras razões, receber José Lewgoy em Caxias do Sul, para fazer o papel do Rocco, foi para mim uma emoção sem tamanho. Conversando sobre o personagem, me disse que o Rocco era igual a um dono de hotel que ele conhecia em Veranópolis. Passou a falar com saudades do tempo em que viveu em Monte Vêneto, quando menino. E revelou:
- Mudaram o nome para Cotiporã, mas, para mim, vai ser sempre Monte Vêneto. “Monte Vêneto” é o nome da pessoa jurídica que sou obrigado a usar para assinar meus contratos.
Foi esse o Lewgoy que conheci pessoalmente. Para quem quiser saber mais detalhes do perfil e da trajetória dele, há um “Memorial José Lewgoy” na Casa de Cultura de Veranópolis. Nele se encontra um acervo precioso de imagens e documentos. E salve o seu centenário!
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado "O Quatrilho", que foi adaptado ao cinema, concorrendo ao Oscar.
pozenato@terra.com.br
Do mesmo autor, leia outro texto AQUI