Já foram mais frequentes os avistamentos do cavaleiro na praça. Dizem que, nas noites de neblina, ele vinha subindo da região conhecida como São Pelegrino, girava em torno do chafariz (onde o cavalo matava a sede), tirava o chapéu diante da araucária e sumia quando se aproximava da igreja. A capa preta ficava no ar, baixando, baixando, que nem pena de urubu. Evaporava quando tocava o chão.
O cheiro de enxofre é certamente boato. As famílias proprietárias do centro tinham medo que suas filhas fossem atraídas pelo mistério e trancavam as janelas quando soavam as doze badaladas. As empregadas, então, abriam as bocas dos modernos fogões para que o gás escapasse. E os pais explicavam às mocinhas:
– Ó o cheiro do homem!
Dizem os antigos leitores de jornal que se tratava apenas de uma alma penada da Revolução de 1923, ou talvez de 1893. Historiadores cogitam que fosse um descendente de João Grande, ou mesmo o próprio Luís Bugre.
Os bispos, com visão privilegiada da casa canônica, sustentam que o cavaleiro viesse até ali para se mostrar arrependido e apontar o caminho da salvação. Já os frequentadores noturnos da praça preferem afirmar que o homem troteava em busca de amores aventureiros e, na verdade, não sumia diante da igreja, mas seguia o rumo do Parque dos Macaquinhos.
Outra hipótese, mais arqueológica, diz respeito ao túnel que existe sob a catedral – o mesmo que ramifica entre os colégios católicos da rua de trás e que pode ser acessado, conforme já documentado em texto anterior, pelos porões da atual livraria Do Arco da Velha. A evaporação do cavaleiro da capa preta, portanto, não passaria de ilusão: segundo essa versão, ele entraria no túnel por um bueiro diante da igreja.
O rosto do homem ninguém viu. Não há evidências suficientemente fortes para afirmar que fosse um cavaleiro sem cabeça.
É mais frutífero especular sobre a qualidade do tecido da capa e, sobretudo, sobre o corte daquelas vestes. Como não há relatos da presença de um chapéu que compusesse o figurino, pode-se deduzir com folga que se tratasse de um tabarro com capuz, do tipo veneziano usado nos séculos XV e XVI.
A raridade dessa indumentária explicaria em grande parte a impenetrabilidade do mito. Ficam excluídas, por banais, as comparações feitas por literatos com peças russas do tipo “capote”, ou mesmo gauchescas, do tipo “poncho” ou “pala”.
Já tentaram filmá-lo, sem sucesso. É fácil afirmar que, conforme a cidade vai se iluminando, o cavaleiro será cada vez menos visto. Mas vale desconfiar. Talvez ele simplesmente escolha outro roteiro (alguma praça de bairro, uma araucária de periferia) por onde continuar desaparecendo.
Paulo Damin é escritor e tradutor em Caxias do Sul.
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