Caxias do Sul 23/11/2024

O causo do pinheiro oco

Aconteceu quando o Glênio, da Vacaria, decidiu caçar uma gralha e deparou com outra coisa...
Produzido por Paulo Damin, 19/06/2023 às 09:41:56
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Se eu te conto você não me acredita. O Glênio, chamaram ele e disseram: Por que tu não vai caçar gralha no pinheiral? E ele: Vou. Que era pior que criança. Pro Glênio fazer alguma coisa tinha que dizer: Duvido que tu faça.

Primeiro ele disse: Vou de menhê. Que na Vacaria quer dizer: Vou de manhã. É o sotaque. Depois ele meio que se entreteu com a vida e, quando viu, era meio-dia. Aí não dava. Arara colorida, corvo azul ou gralha, pra pegar, só cedinho da manhã ou da noite, quando elas pousam nas árvores.

Só lá pelas quatro da tarde o Glênio pegou o saco, a corda e foi. Achou um pinheiro lá que não dava de abracar, que é assim mesmo, abracar. É o sotaque. Quer dizer que não dá pra fazer a volta na árvore com os braços. Então bem dizer abraçar também não dava, no caso. Mas é o termo técnico: abracar. Não dava. Ele laçou o pinheiro e foi subindo, que nem se faz: a corda presa nas mãos e os pés agarrando no tronco.

Lá no alto, um buraco de nó de pinho. Diz ele: É aqui que a gralha se esconde. Deve de ser o ninho, diz ele. E mete o braço dentro. Nada. Mete o outro. Nada. E foi entrando com a cabeça, o peito, a pança, quando vê o Glênio véio entrou inteiro e resbalou lá pro fundo.

Não sei se tu já entrou num pinheiro, mas era uma senhora duma árvore. O Glênio, com quase dois metros, lá dentro ele dava uns pulinhos e nada de alcançar a porta pra sair de volta. Olhava pra cima e só via aquela boca azulada que dava pro céu. E era liso. Cravou as unhas no tronco por dentro e só tirou resina, nada de prender apoio. Diz ele: É o meio da árvore. Toc-toc, tem alguém aí fora? Essas coisas ele dizia. Não gritou porque ia ficar surdo, que era que nem gritar dentro de caixa d’água, o eco, de doer no ouvido, não sei se você já gritou.

Ai ai, pensou ele. Foi arapuca que me armaram, essa gurizada. Amanhã me acham. Derrubam o pinheiro, vem a polícia ambiental, me acham. Olhava o azulzinho no topo ficando preto. Se preparou pra passar a noite de pé, lambendo aquela resina com cheiro de pinhão. Pelo menos não é ninho de cobra, pensou ele. Aí, quando que ele olhou de novo pra porta lá em cima, ele viu aquelas duas tochas.

É as estrelas? Se fosse. Estrela não ruge, não baba na tua cara quando te olha de cima.

Um jaguar, diz o Glênio, que ele era meio índio, eles chamam assim. Um puma, uma jaguatirica-açu, um maracajá gigante, um baita gato do mato que nunca vai ser domado, um tigre, um leopardo, um leão baio, uma onça parda legítima, babando na cara dele.

E vem a bicha véia, descendo pelas paredes. De ré, que não era boba de ficar entalada que nem o homem que ela ia jantar. Isso vinha que vinha espanando a careca do Glênio. Daí ele, num raio de genialidade: É minha chance. E se agarrou no rabo da onça. Foi aquele berreiro.

Não sei se tu já puxou rabo de gato, de onça é a mesma coisa. Aquilo acionou as garras contra a árvore e subiu num ódio só lá pra cima. Chegava a sair faísca. Coisa mais linda, diz ele, estrelas-mirins no oco do pinheiro.

Na porta, no fim, o jaguar nem quis saber da carne doce e voou pro mato. E o Glênio lá, pensando que gralha que nada, eu vou é pra casa comer aipim.

Paulo Damin é escritor e tradutor em Caxias do Sul.

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