Caxias do Sul 23/11/2024

O causo do padre

Data evoca episódio envolvendo a figura histórica do jesuíta Cristóvão de Mendoza
Produzido por Paulo Damin, 26/04/2024 às 07:44:21
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Um dos causos mais intrigantes da Serra Gaúcha faz aniversário em 26 de abril. Aconteceu em 1635, na Água Azul, interior de Caxias. É a história de como aquele lugar recebeu o nome de Água Azul.

É uma história de tropeiro: a morte de um padre chamado Cristóvão de Mendoza, um jesuíta espanhol (hoje seria boliviano) que começou esse negócio de criar gado no Rio Grande.

E é uma história indígena.

Parece que os antigos moradores da atual Água Azul não simpatizaram com o Cristóvão.

– Diz que parecia um maluco, ficava mexendo os braços, tinha na mão um pedaço de pau – me disse um estudioso do povo xokleng.

Segundo ele, pode ser que foram os antepassados dos xokleng que pegaram o padre. Mas podem ter sido os antepassados dos kaingang também.

O Cristóvão, na lenda dos brancos, se arrastou até uma fonte. Aí alguém arrancou o coração dele e jogou na água. Ao absorver o sangue do jesuíta, a água ficou azul.

Fui visitar a fonte, ano passado. Fora uns tipos de camionete ouvindo música sertaneja e soltando fogos no meio da floresta, estava tudo em paz. A água estava meio verde-musgo, talvez pelos níqueis que as pessoas jogam nela. O acesso é moleza, tem asfalto (não precisa ir de camionete). Desses lugares que teoricamente fazem parte do roteiro turístico de Caxias e que não são frequentados por quase ninguém.

Mas a sensação naqueles matos é sinistra. Parece que alguém, alguma onça (algum fantasma?) pode sair de trás das árvores a qualquer momento.

Na Água Azul vi uma estátua do Cristóvão e de um indígena que o acompanhava. Mas não vi nada sobre aqueles que não quiseram acompanhá-lo.

A palavra que historiadores usaram pra se referir ao causo do padre é que ele foi “trucidado”. Entende-se o efeito que quiseram gerar com esse termo. No século XX, isso até podia passar por historiografia.

Mais modernamente, tem um relato literário desse fato escrito por Eduardo Kauer, chamado Nação de feiticeiros, de 2015. Mas não sei, eu gostaria de ler um conto escrito por um xokleng, um kaingang. A lenda dos brancos meio que foi perdendo a graça.

A propósito: hoje, 26 de abril, vai ter uma roda de conversa no Arquivo Histórico Municipal sobre saberes tradicionais indígenas, história e arqueologia. Começa às 19 horas. A convidada especial é uma professora kaingang chamada Orilde Ribeiro.

Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.

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