Dentro da rememoração da história do sesquicentenário da imigração italiana, e relendo a Istoria de Conceição de Carlin Fabris, é interessante saber como imigrantes isolados, com dialetos diferentes, que começaram a se conhecer no cais de embarque e nos navios a vapor em que atravessavam o oceano para a América, conseguiram construir aqui a vida em comunidade.
Aqui chegadas, as famílias ocuparam colônias de grande dimensão, para os padrões que conheciam na Itália. Viram-se, então, no isolamento, sem o apoio da vizinhança, como a que tinham no país de origem. Procurar formas de agregação era buscar, na realidade, apoio para enfrentar uma série de obstáculos: o de viver no mato, com bichos selvagens ao redor, sem uma alimentação regular e também enfrentando doenças.
O primeiro pilar de apoio para agregar as famílias foi erguido pela religião. O mundo rural vêneto, de onde procedia a maior parte dos imigrantes, tinha na paróquia seu centro de convivência, onde se desenrolava a vida social, além da religiosa. A festa do padroeiro, com o nome quase místico de sagra, nome que foi trazido também na bagagem cultural, constituía o momento marcante do encontro das famílias e de seus vizinhos.
Por isso, uma das primeiras tentativas dos colonos imigrantes foi a de construírem aqui esse espaço de convivência. O sonho era terem seu pároco, sua igreja, mas não havia sacerdotes em número suficiente para serem nomeados vigários por toda a região colonial. A Istoria de Conceição, escrita pelo imigrante Carlin Fabris, mostra que esse desejo era tão forte que sua vizinhança chegou a ser ludibriada por um falso padre.
A criação da capela, nome dado à igreja sem pároco residente, foi a saída encontrada. Em meu romance O Quatrilho, fica bem clara a força dessa instituição, que o filme, nele baseado, mostra também com relevo. Cada capela tinha seu santo padroeiro e realizava a sagra anual numa cerimônia completa: missa, procissão e almoço festivo em comum. Algumas capelas chegaram a ter banda de música, para animar as festas e também para acompanhar os sepultamentos.
Estudos feitos sobre a cultura regional têm mostrado que a capela foi, antes de tudo, a escora para uma cultura da vizinhança, como um fator de sociabilidade das famílias entre si, criando laços de convivência de adultos e crianças e abrindo caminho para laços também matrimoniais. Isso se contrapõe à ideia tradicional de que a capela era apenas um local de prática da fé. Até a escolha do padroeiro se dava por acordo entre vizinhos.
Como relata Carlin Fabris em sua Istoria de Conceição, a escolha de Nossa Senhora da Conceição como padroeira da comunidade foi feita porque a esposa do doador do terreno para a construção da igreja e da praça à sua frente se chamava Maria da Conceição. Mais do que motivação religiosa, portanto, houve o pragmatismo de um acordo de convivência.
Para reforçar a vida em comum, em todas as pequenas comunidades da região de imigração italiana, junto à capela, feita para o culto religioso – o terço rezado aos domingos e a missa mensal –, eram criados espaços para o lazer e a diversão: cancha de bochas, salão para jogar cartas, como a bríscola, o trisset e o quatriglio, e um barracão para assar carne.
Para administrar tudo isso era criada a sociedade da capela, dirigida pelos fabriqueiros, como eram designados os gestores da capela e de seu entorno, incluindo o cemitério. O espírito do associativismo era aprendido, nesse ambiente, desde a infância das pessoas.
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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