Caxias do Sul 07/09/2024

O Caçador de Estrelas

A saga do um carro que, de tão ousado, não pôde competir
Produzido por Luiz Carlos Secco, 24/05/2024 às 07:24:59
Luiz Carlos Secco é jornalista especializado em cobertura do setor automotivo
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Em uma tarde de dezembro de 1967, fui ao Autódromo de Interlagos para assistir ao treino final dos pilotos e fiquei surpreso com um carro estranho e diferente dos demais dando voltas pela pista para testar a preparação e o melhor acerto para a corrida Mil Milhas Brasileiras, uma das mais importantes do automobilismo brasileiro e que aconteceria dois dias depois.

O automóvel parecia uma picape sem carroceria. Era longo, o piloto sentava-se num banco instalado numa cabine semelhante à de um avião, à frente de um painel de instrumentos bem completo e, com a finalidade de obter o mais eficiente coeficiente aerodinâmico, sem portas, o que obrigava o piloto a entrar e sair do carro pela janela, depois de se apoiar sobre uma das rodas dianteiras. O construtor desse carro diferente foi o romeno Bica Votnamis, que chegou ao Brasil em 1943, aos 13 anos de idade, acompanhando a família na tentativa de encontrar um país sem os horrores da Segunda Guerra Mundial, que deixou a Europa esfacelada.

Aqui o pai montou uma oficina mecânica no bairro do Bom Retiro e, ao ajudá-lo, Bica Votnamis ganhou gosto pela profissão e pôde estar sempre junto da família. Depois de fazer corridas com um Renault 1093 e um Simca Chambord, apaixonou-se pelas carreteras, categoria criada pelos argentinos, adotada pelos gaúchos e formada por automóveis antigos, mas transformados em carros de corrida modificados. A maioria com motores Corvette ou Ford e cilindrada de 5 litros, que mantinham a aparência de velhos automóveis, mas, na essência, verdadeiros bólidos.

Bica Votnamis, o romeno inovador

(Foto: João Saboia/Divulgação)

Para competir na corrida Mil Milhas Brasileiras de 1967, Bica Votnamis decidiu construir um carro que idealizara, mas um projeto que imaginou revolucionário para a época. Foi um carro com recursos inéditos e, principalmente, o banco do piloto foi instalado à frente do eixo dianteiro.

O Caçador de Estrelas surpreendeu tão fortemente o público, jornalistas e diretores da Federação Paulista de Automobilismo, que os integrantes das Comissões Desportiva e Técnica, preocupados com a responsabilidade por um eventual acidente, decidiram não homologar a inscrição do automóvel na corrida por considerá-lo sem o necessário nível de segurança. O carro apresentava configuração inédita no automobilismo mundial, com chassi em estrutura em treliça tubular, motor central e suspensão independente, porém, com cockpit localizado à frente do eixo dianteiro. Era equipado com motor Chevrolet Corvette de 5,6 litros e 350 cv, caixa Jaguar de quatro marchas, diferencial autoblocante, freios a disco nas rodas da frente, rodas com cubo rápido e dois radiadores de óleo.

O Caçador de Estrelas tinha carroceria de alumínio (moldada pelo funileiro espanhol Pablo Salvador), com apenas 1,12m de altura. Com comprimento total de 3,8m, entreeixos de 2 m, a cabine do piloto situava-se praticamente toda no grande balanço dianteiro, de quase 1,8 m. Foi exatamente essa característica – considerada extremamente insegura para o piloto – que levou o carro de Bica a não ser homologado pela CBA, impedindo-o de participar da prova.

O revolucionário e incompreendido "Caçador de Estrelas"

(Foto: João Saboia/Divulgação)

Senti pena do desolamento do piloto e construtor que, embora frustrado por não poder competir, aceitou a decisão dos dirigentes esportivos e técnicos e nunca mais ouvi falar nele e nem em sua obra-prima. A decepção por não ter podido conhecer os méritos de seu trabalho levaram Bica Votnamis a desmontar seu Caçador de Estrelas e vender as peças importantes para amigos e o restante do carro para reciclagem.

Ao procurar Bica Votnamis, recebi duas informações. Uma, de que falecera ao sofrer um colapso cardíaco no sul do País e, também, que decidira mudar de país.

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Luiz Carlos Secco trabalhou, de 1961 até 1974, nos jornais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, além da revista AutoEsporte. Posteriormente, transferiu-se para a Ford, onde foi responsável pela comunicação da empresa. Com a criação da Autolatina, passou a gerir o novo departamento de Comunicação da Ford e da Volkswagen. Em 1993, assumiu a direção da Secco Consultoria de Comunicação.

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