Caxias do Sul 22/11/2024

O berço do ‘stil nuovo’

Movimento intelectual surgido na Itália na Idade Média estimulou a renovação da língua e da literatura
Produzido por José Clemente Pozenato, 11/05/2023 às 09:06:35
Foto: Marcos Fernando Kirst

No período do Duecento (século XIII) se dá o início da literatura italiana. É quando a então chamada “língua vulgar”, derivada do latim e usada apenas como língua corrente no dia-a-dia, começa a ser utilizada como língua literária, seguindo o exemplo dos troubadours da Provença.

Na península itálica, a primeira manifestação de uma literatura em língua vulgar, ou língua do povo, ocorre com a chamada “scuola poetica siciliana”, na primeira metade do século XIII, com o estímulo e apoio do rei Frederico II. De origem sueva, ele agregou na corte doutores, filósofos, homens letrados e homens de ciências, criando um ambiente propício à produção intelectual, e estimulou o uso da língua vulgar italiana no gênero lírico das canções e baladas. A figura mais importante dessa escola foi Jàcopo, ou Giàcomo, da Lentini, conhecido como Notaio (escrivão, notário). Deixou 38 poemas reconhecidos como de sua autoria e é considerado o inventor do soneto.

Na metade do século, nasce uma segunda escola lírica, ainda de inspiração siciliana, mas em língua toscana. Seu iniciador foi Guittone d’Arezzo (1225-1294), que, além dos temas líricos convencionais, tanto da poesia provençal quanto da siciliana, introduziu em seus poemas o tema político, que repercutiria mais tarde em poetas como Dante e Petrarca.

A renovação, a que Dante daria a designação de “dolce stil nuovo”, viria da Bolonha, por obra de Guido Guinizelli (c.1230-1276), que teria exercido nessa cidade a função de juiz, ou de jurisconsulto. De sua obra restaram 23 poemas, entre os quais cinco canções e 15 sonetos, que são uma forma de transição entre a poesia do círculo toscano (Guittone d’Arezzo, Bonagiunta Orbiciani), e um novo estilo buscado por ele, menos formal e mais espontâneo. Dante, no canto XXVI do Purgatório, se refere a Guinizelli como “pai” e como mestre em “rime d’amore usar dolci e leggiadre” (“fazer versos de amor suaves e elegantes”) (vv. 93-94). Mas seria em Florença que essa poesia nova iria prosperar, num primeiro momento com nomes como Guido Cavalcanti, Dante Alighieri, Cino da Pistoia e, na geração seguinte, com Francesco Petrarca e depois Boccaccio.

As características básicas do “estilonovismo” poderiam ser assim resumidas:

enlightened no plano estilístico, surge a presença de imagens e metáforas, associadas a cenas da natureza e expressas em versos com musicalidade suave e bem desenhada, em que o cuidado com a seleção das rimas é visto como fundamental: era uma poesia para ser ouvida, mais do que lida, tanto que o primeiro verso do Cancioneiro de Petrarca se dirige a ouvintes, não a leitores: “Vós que escutais em rima esparsa o coro / dos suspiros com que eu meu ser nutria”.

enlightened no plano temático, o amor é posto como centro do mundo poético e a figura da mulher como deflagradora da experiência de um amor capaz de erguer o homem do mundo terreno para o celeste: nessa dialética, a figura da Mulher-anjo se faz frequente;

enlightened no plano conceitual, é estabelecida estreita relação entre a faculdade de amar e a nobreza de espírito, não por posição social, mas por virtude; além disso, é feita a adoção de uma postura filosófica que valoriza a dimensão sensorial, na linha do averroísmo aristotélico. Com isso, o platonismo agostiniano deixa de ser referência.

O resultado é uma poesia com profundidade de sentimentos, capacidade introspectiva e diálogo interior do ser humano com suas dimensões de ser ao mesmo tempo material e espiritual.

A partir desse berço, a poesia e a narrativa tomam o mesmo rumo em todo o Ocidente.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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