Nos últimos anos, o setor varejista brasileiro tem enfrentado uma série de desafios que culminaram em um acréscimo significativo nos pedidos de recuperação judicial por parte das empresas do ramo.
O número de solicitações registrou alta de 68,7% em 2023 na comparação com 2022, conforme o Indicador de Falência e Recuperação Judicial da Serasa Experian. Ao total, foram 1.405 pedidos ao longo do ano, o 4º índice mais alto registrado desde o início da série histórica, em 2005, e o maior valor desde 2020.
Esses dados refletem não apenas os reveses econômicos enfrentados pelo país, mas também os desafios vivenciados por empresas varejistas em um ambiente de mercado cada vez mais competitivo e em constante evolução.
Contexto econômico desafiador
O Brasil tem passado por períodos de instabilidade econômica, com flutuações cambiais e incertezas políticas. Estes fatores impactam diretamente o poder de compra dos consumidores, afetando o desempenho das empresas varejistas, que dependem fortemente do consumo doméstico.
Desde 2013, por exemplo, o Produto Interno Bruto (PIB) do país testemunhou uma trajetória instável. Para se ter uma ideia, 2015 e 2016 marcaram, respectivamente, uma queda de 3,5% e 3,3% do PIB, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O período foi marcado por uma significativa retração da atividade econômica e representou um grande teste para a Lei 11.101, de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Esta legislação foi modernizada em 2020 com a promulgação da Lei 14.112.
Depois do biênio de tropeços na economia, houve uma segunda recessão desencadeada pela pandemia, que agravou ainda mais a situação, com lockdowns, restrições de mobilidade e mudanças nos padrões de consumo, levando muitas empresas do setor a enfrentar dificuldades financeiras sem precedentes.
À época, o governo brasileiro implementou uma série de medidas de estímulo, incluindo auxílio emergencial e políticas de crédito, para mitigar os impactos econômicos da crise sanitária. Contudo, essas ações foram insuficientes para evitar uma recessão profunda, exacerbando as vulnerabilidades econômicas existentes.
Hoje, muitas empresas varejistas enfrentam altos níveis de endividamento, resultado também de investimentos em modernização ou reestruturação, bem como da alta da taxa básica de juros (Selic), que chegou a 13,75% em 2022/2023. O setor varejista brasileiro é altamente competitivo, com uma variedade de players disputando a atenção e o dinheiro dos consumidores. Grandes varejistas nacionais e internacionais competem com lojas de menor porte, e a ascensão do comércio eletrônico intensificou ainda mais a concorrência.
Oportunidades na adversidade
Um dos benefícios mais imediatos da recuperação judicial para as empresas varejistas é a proteção contra execuções judiciais por parte de credores. Esse período de moratória temporária permite que as companhias se concentrem na reestruturação financeira e operacional, sem o risco iminente de penhoras ou falência.
A recuperação judicial oferece às varejistas a oportunidade de realizar uma reorganização estratégica abrangente. Isso pode incluir a renegociação de contratos com fornecedores, o fechamento de lojas não rentáveis, a otimização da cadeia de suprimentos e a revisão dos modelos de negócios para se adaptar às mudanças nas preferências do consumidor. A reorganização melhora a eficiência operacional, reduz os custos desnecessários e permite que as empresas se reposicionem no mercado, fortalecendo sua competitividade e capacidade de crescimento futuro.
O setor varejista é um dos principais empregadores no Brasil, proporciona oportunidades de trabalho para milhões de pessoas. A recuperação judicial ajuda a preservar empregos ao fornecer uma estrutura para a continuidade das operações comerciais. Além disso, ao permitir que as empresas varejistas se recuperem e voltem a crescer, a recuperação judicial contribui para a geração de renda e o fortalecimento da economia, beneficiando os trabalhadores do setor e as comunidades em que operam.
Mara Denise Poffo Wilhelm é advogada, especialista em recuperação judicial e sócia-fundadora do Wilhelm & Niels Advogados Associados.