Caxias do Sul 22/11/2024

Necrológio da Tupperware

Uma nênia nostálgico-poética ao hermético utensílio doméstico que marcou tantas gerações
Produzido por Paulo Damin, 27/09/2024 às 09:37:38
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Ó, Tupperware, que armazenastes tantas papinhas de bebês e marmitas de papais.

Ó, cara Tupperware, que fostes renda para as mulheres do bairro, em festas de divulgação daquele modo revolucionário de conservar o resto de comida, baseado na filosofia do é pecado jogar fora hoje, melhor deixar esquecido no fundo do congelador até a limpeza natalina, contexto liberador dos pecados culinários e permissivo a todos os desperdícios.

Ó, ícone da polimerização, que sintetizastes as macromoléculas que hoje compõem bionicamente nosso organismo.

Ó, rainha do freezer: nós, que formatamos nosso paladar no eco do vosso vácuo, vimos ante vós prantear vossa falência.

Prantear, rememorando, todas as tampas que se perderam no vórtice dos piqueniques.

Prantear, com magnanimidade, todas as vezes que emprestamos potes recheados de maionese e sobremesa, mas nunca retornaram ao aconchego dos nossos armários, ou o fizeram vazios, revelando a indiferença (um prenúncio da atual desgraça) com que a alma humana trata as utilidades domésticas.

Querida Tupperware, ó flor de polietileno: como sentimos vossa derrocada!

Mas nos restará, para sempre, a joia colorida que regalastes com vosso rosa-inocência, com vosso azul-bondade.

E nos restará o sabor das camadinhas de gelo sobre a lentilha recém-resgatada de seu gélido olvido, nas noites de domingo, quando o mês se esvaía no último suspiro do bujão de gás e apenas vós vos erguíeis em nosso amparo.

E nos restarão as milhares de fabriquetas que herdaram de vós, ó paradigma do hermetismo, os segredos da engenharia de processos químicos.

E sempre poderemos, ó nata do petróleo, acompanhar a ressonância da suprema glória que uma marca pode alcançar na gramática do capitalismo, que é o fato de terdes entrado nas bocas da nação pela via honrosa e perene da metonímia, como o bombril, como a maizena, como o cotonete, vossos irmãos com assento garantido no tesouro da língua.

Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.

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