Cada vez que ouço ou vejo alguma manifestação, de cunho público ou particular, contra qualquer forma de discriminação, aparece diante de mim a figura impertérrita do antropólogo Claude Lévy-Strauss. É dele a frase do título desta crônica, completada com este esclarecimento: “o que há são culturas diferentes”.
Claude Lévy-Strauss, embora conhecido como um intelectual francês, nasceu na Bélgica, em 29 de novembro de 1908, e faleceu em outubro de 2009, perto de completar cento e um anos de idade. O curioso é que sua carreira de pesquisador de culturas começou no Brasil. Veio para cá bem jovem, em 1935, com 27 anos de idade, para ser professor na recém-criada Universidade de São Paulo: integrava um grupo de docentes universitários franceses, vindos com o objetivo de dar à USP um padrão no nível da Sorbonne.
Como professor, deu aulas de Sociologia. Como pesquisador, mergulhou a fundo na cultura indígena brasileira, em viagens por diversos estados do Centro e do Norte do país, durante quatro anos. Dessa investigação resultou seu livro “Tristes Trópicos”, publicado em 1955, que o tornou imediatamente famoso nos dois lados do Atlântico. Isso por duas razões principais: pelo modo de abordar a cultura indígena, observada de dentro dela, e pelo modo de transmitir suas descobertas, em forma de narrativa de contatos humanos e não de relatório científico.
Essa obra, seguida pelo livro “O pensamento selvagem”, de 1962, o guindou à altura de autoridade mundial sobre duas questões ligadas à diversidade cultural: a de como entendê-la e a de como lidar com ela. Foi com base em seu relatório “Raça e História” que a Unesco criou, em 1966, a política de respeito, de apoio e de preservação da diversidade cultural do planeta, em nome do princípio – fundamental no pensamento de Lévy-Strauss – de que não há cultura superior nem cultura inferior, o que há são culturas diferentes.
Trinta anos depois do primeiro documento, a Unesco o convidou novamente, para fazer uma avaliação do resultado da política de valorização da diversidade cultural. Lá foi Lévy-Strauss, com um longo relatório escrito, recebido com toda a reverência de que era merecedor. Assim que Lévy-Strauss começou a ler o relatório – quem relata o episódio é Clifford Geertz, outro antropólogo do mesmo porte –, o secretário que presidia os trabalhos foi dando sinais de nervosismo e, subitamente, disse: “O senhor tem trinta minutos para concluir sua comunicação”. Lévy-Strauss não retrucou. Acelerou a leitura para que nenhuma das palavras que escrevera deixasse de ser lida e de constar nos anais da Unesco.
Qual tinha sido o problema? Lévy-Strauss começara sua fala criticando a Unesco por ter transformado a política de preservação da diversidade em política contra a discriminação. Uma coisa muito diferente, segundo ele, e muito perigosa: o antirracismo podia levar a um racismo ainda mais forte. O que importa, na visão dele, é saber conviver com as diferenças, e não querer acabar com elas.
Meus heróis preferidos são pessoas assim, que têm a coragem de opor a inteligência aos jogos de interesse do poder. Pessoas como ele deixam sua marca por gerações. De Claude Lévy-Strauss pode-se dizer sem titubear: ficou imortal pelo que ensinou à humanidade.
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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