No capítulo anterior, o Nanico conquistou a cidadania italiana pra todo mundo que fosse a Pedavena. Inclusive pro tal do Jandriel, aquele que deu carona pro Nanico e cujo nome não sabíamos até agora.
Lá está o Jandriel, aproveitando o passaporte cor de vinho pra virar servente de pedreiro na Alemanha.
Os novos cidadãos italianos até queriam lhe agradecer pessoalmente, mas o Nanico havia desaparecido.
Segundo alguns, a missão terrenal dele tinha acabado. Agora ele estaria ao lado do Grande Tabelião, supervisionando a excelsa tramitação administrativa dos processos de cidadania.
Segundo outros, o Nanico tinha finalmente encontrado a Terra da Cocanha, onde estaria comendo lasanha de bacalhau.
A verdade é que o Nanico foi levado por um par de advogados barulhentos e estava de fato comendo uma lasanha, só que de berinjela (pra tu ver a crueldade dos sequestradores).
Forçado a engolir aquela esponja suja e molenguenta, o Nanico foi submetido a um interrogatório:
– Confessas que fostes conivente com a quebra de contrato realizada pela Leona? Ela devia ter te acompanhado até Pedavena e, depois, devia ter ido a Milão pra ser babá dum galguinho italiano.
– Confesso – gurgitou o Nanico.
– Confessas que causaste prejuízo ao escritório Chiassi & Fracassi quando aceitastes a proposta do funcionário de Pedavena? Tua missão era propagandear nosso escritório, e não conseguir grátis a cidadania ampla, geral e irrestrita pra colonada toda.
– Confesso – regurgitou o Nanico.
Nada mais a declarar, os advogados procederam à punição prevista nas letras miúdas do contrato que o Nanico assinou (na noite entre o capítulo 2 e o 3) sem que a gente (nem ele) visse.
A moral é que o escritório Chiassi & Fracassi foi tão competente que conseguiu fazer ele perder tanto a cidadania italiana quanto a brasileira.
O apátrida foi desovado naquele labirinto de prédios cansados, turistas inesgotáveis e água verde-musgo com cheiro de peixes medievais: Veneza. Sem documento, sem ter onde dormir, ele perambulava pensando se devia ou não se desesperar.
Aí viu uns versos de Pietro Gori, pichados numa parede:
Nossa pátria é o mundo inteiro
nossa lei é a liberdade
e um pensamento
rebelde no peito
Do lado, uma porta aberta.
Entrou.
(Continua...)
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
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