Caxias do Sul 23/11/2024

Nanico sem pátria (Parte VII)

Em que se descobre detalhes de um tratado assinado na calada de entre-capítulos desta suma saga
Produzido por Paulo Damin, 22/03/2024 às 08:02:10
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul
Foto: ARQUIVO PESSOAL

No capítulo anterior, o Nanico conquistou a cidadania italiana pra todo mundo que fosse a Pedavena. Inclusive pro tal do Jandriel, aquele que deu carona pro Nanico e cujo nome não sabíamos até agora.

Lá está o Jandriel, aproveitando o passaporte cor de vinho pra virar servente de pedreiro na Alemanha.

Os novos cidadãos italianos até queriam lhe agradecer pessoalmente, mas o Nanico havia desaparecido.

Segundo alguns, a missão terrenal dele tinha acabado. Agora ele estaria ao lado do Grande Tabelião, supervisionando a excelsa tramitação administrativa dos processos de cidadania.

Segundo outros, o Nanico tinha finalmente encontrado a Terra da Cocanha, onde estaria comendo lasanha de bacalhau.

A verdade é que o Nanico foi levado por um par de advogados barulhentos e estava de fato comendo uma lasanha, só que de berinjela (pra tu ver a crueldade dos sequestradores).

Forçado a engolir aquela esponja suja e molenguenta, o Nanico foi submetido a um interrogatório:

– Confessas que fostes conivente com a quebra de contrato realizada pela Leona? Ela devia ter te acompanhado até Pedavena e, depois, devia ter ido a Milão pra ser babá dum galguinho italiano.

Confesso – gurgitou o Nanico.

Confessas que causaste prejuízo ao escritório Chiassi & Fracassi quando aceitastes a proposta do funcionário de Pedavena? Tua missão era propagandear nosso escritório, e não conseguir grátis a cidadania ampla, geral e irrestrita pra colonada toda.

Confesso – regurgitou o Nanico.

Nada mais a declarar, os advogados procederam à punição prevista nas letras miúdas do contrato que o Nanico assinou (na noite entre o capítulo 2 e o 3) sem que a gente (nem ele) visse.

indecision

A moral é que o escritório Chiassi & Fracassi foi tão competente que conseguiu fazer ele perder tanto a cidadania italiana quanto a brasileira.

O apátrida foi desovado naquele labirinto de prédios cansados, turistas inesgotáveis e água verde-musgo com cheiro de peixes medievais: Veneza. Sem documento, sem ter onde dormir, ele perambulava pensando se devia ou não se desesperar.

Aí viu uns versos de Pietro Gori, pichados numa parede:

Nossa pátria é o mundo inteiro

nossa lei é a liberdade

e um pensamento

rebelde no peito

Do lado, uma porta aberta.

Entrou.

(Continua...)

Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.

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