No capítulo anterior, o Nanico descobriu que havia um homem em Veneza que talvez soubesse algo sobre a Terra da Cocanha. Esse cara estava sentado numa gôndola, fazendo a própria sobrancelha.
– Cocanha, Atlântida, Xangrilá… – disse o Gino Scarseto – Tá ligado que tem uma galera que passou a vida atrás desses picos. Mas nem o Marco Polo não achou nada que preste. É que nem diz meu parceiro Guido Gozzano:
O Infante içou as velas pelo reino fabuloso,
viu as Afortunadas, Duípa, Gorgona, Antilia
e o Mar dos Sargaços e até o Tenebroso
buscando aquela ilha… Mas a ilha não existia…
– Então tu não sabe nada? – acusou o Nanico.
– Sei de alguém que sabe – disse o Gino Scarseto, e fez um gesto de quem espera o pagamento pela informação.
O Nanico buscou algo no bolso.
– Posso pagar com o Rio de Janeiro?
O outro fez cara de que já estava cheio de mar:
– Tu não tem aí um Mato Grosso?
– Só o do sul – disse o Nanico.
– Serve – disse o Gino, guardando o estado numa nécessaire. Depois soltou: – Volta aqui à meia-noite. Vai passar um velho caquético num barco cadavérico. Caronte, o nome dele. Do véio, no caso. Ele manja das parada.
Meia-noite veio o velho esquelético, carregando uma montoeira de almas num barquinho. Disse o Nanico:
– Boa noite, seu Caronte. Será que rola uma carona pra Cocanha?
– Mas craro – respondeu o barqueiro – Se empoleire aí.
O Nanico se acomodou entre umas almas penadas e gêmeas, no barco que rompia suavemente a neblina. Nem se sentiam as ondas e correntezas do Adriático. Pouco trânsito (um que outro cruzeiro, uma que outra chalupa de imigrantes). E às 6:16 apareceu o sol. Pela primeira vez desde que saiu das Grotas em busca da Cocanha, o Nanico viu o sol.
No fim das contas, a Terra da Cocanha (pensou o Nanico) nem era tão difícil de achar. Ficava ali como quem tá indo pro Inferno, dobrando à esquerda antes da entrada pra Bósnia e Herzegovina.
Na praia onde desembarcou (“apeia aí”, disse o Caronte), havia umas placas indicativas, feitas de queijo, frutas, castanhas, pizza. O Nanico se emocionou. Comeu tudo. E ficou sem saber pra que lado as setas apontavam…
Foi então que ele viu aquele bando de urubu.
(Continua...)
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
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