No capítulo anterior, o Nanico e a Leona foram expulsos do trem e encontraram a porca. Agora estavam com ela na estação fantasma.
O Nanico narrou o sonho premonitório que ele teve no avião:
– Onde eu encontrasse uma porca branca, eu ia descansar. Aqui só faltam os trinta porquinhos pra completar a ceia; aliás, a cena.
– Nasci porca – disse a suína –, mas me identifico como javali. E não sou branca: sou rosa. Teu sonho é um poema do Virgílio sobre minha ancestralidade. Teria sido uma homenagem, se na continuação da história minha tata não fosse sacrificada.
– Tadinha – disse a Leona –. Mas fica tranquila, eu sou vegan.
Aí foi a vez da Javali abraçar a Leona como uma velha amiga.
Elas fizeram uma quirera de janta. O Nanico (cara fechada como o céu lombardo) bem capaz que ele ia comer aquilo. A suína cantou uma nana:
Nananê Nanicó,
que paciência de Jó
tem que ter com as criancinhas
que só querem carninha.
Pro Nanico Pipetta
vamos dar a pappetta…
– Nanico Pappetta! – ficaram chamando ele.
Até que ele juntou do chão uma veneziana.
– Calma, Nanico!
– Calma um repolho! – ele fez – Se tem uma coisa que me irrita é correnteza de ar.
E tentou colocar a velha veneziana num buraco que tinha na parede.
– Ai! – disse a madeira – Devagar, seu imigrante!
O Nanico tentou ainda, mas foi inútil. A parede não segurava mais nem a si mesma, imagina ter de segurar uma veneziana desengonçada e reclamona.
Ela xingava o Nanico e, ao mesmo tempo, exigia que ele a carregasse de volta pra casa dela.
– Imigrante! Já que tu me juntou do chão, me leva pro Vêneto!
A Leona e a Javali sentiram pena do Nanico.
– Deixa ela aí – disse a profe –. Vem com a gente.
Assim a Leona rompeu com o escritório Chiassi & Fracassi, sem se preocupar com as consequências que isso geraria pro Nanico. Agora o plano dela era ir com a Javali para uma fazenda feliz, onde os animais eram cooperativados e dividiam o lucro da venda do leite, dos ovos, das penas...
– É a verdadeira Terra da Cocanha – disse a suína.
Mas o Nanico não se convencia. Cocanha sem carne?
– Nessa hora, de onde eu venho, tá todo mundo fazendo o aperitivo – comentou a Veneziana.
Aperitivo… Nas Grotas do Nanico, isso tinha cheiro, som e sabor de graxa pingando na brasa.
Com a Veneziana nas costas, lá foi ele se babando na direção do Vêneto.
(Continua...)
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
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