No capítulo anterior, vimos como o Nanico chegou ao aeroporto. Agora ele estava sobrevoando o Atlântico, lambendo os beiços pela lasanha que serviram no avião. Sem falar no vinho: parecia um suquinho, em comparação com o tinto ardido que a família dele fazia na colônia.
O Nanico não tinha nem saído do espaço aéreo brasileiro, mas já se sentia na Terra da Cocanha.
– Que poltrona macia – disse ele pro vizinho.
Mas não teve resposta.
– Que temperatura amena – insistiu o Nanico.
Mas não teve resposta.
Aí passou a comissária de bordo e explicou que ele tinha de falar italiano.
– Porco can – disse o Nanico –. Lá nas Grota só aprendi os palavrão.
Ela fez uma carinha de dó e foi falar com o piloto. Em seguida, ouviu-se uma mensagem:
– Atenção passageiros, é uma emergência. Favor apresentar-se urgentemente alguma profe de italiano.
E foi assim que o Nanico conheceu a Leona. Uma guria com cabelos de espaguete e perfume de manjericão.
A comissária de bordo conduziu o Nanico e a professora até a biblioteca do avião, ao lado dos banheiros, passando uma porta escrita “não entre”. Piscando o olho, a comissária disse:
– Onde vocês acham que a gente aprende a falar tantas línguas? A biblioteca é o segredo dos trabalhadores aéreos.
E declamou uns versos de Alda Merini:
Amor,
voa até mim
com o avião de papel
da minha fantasia
e com o engenho do teu sentimento…
– Meio literal demais essa tradução – comentou a profe Leona, e a comissária de bordo foi embora prometendo caprichar mais da próxima vez.
A professora começou a aula pelo básico.
– Eu é io. Tu é tu. Ele é lui. Etcétera é eccetera.
E o Nanico foi guardando tudo na cabeçona dele. De olhos fechados e boca aberta, pra fixar melhor a aprendizagem e degustar o perfume de manjericão da Leona.
– Basilico… – ele murmurou.
– Bravo! – disse a profe, e percebeu que ele estava pegando no sono.
Ela pensou em parar a aula. Só não parou porque viu que o Nanico estava todo arrepiado.
E que ficava mais arrepiado ainda quando ela chegava bem perto do ouvido dele pra ensinar os verbos: o passato remoto do qual ele estava se afastando, o futuro semplice com o qual ele sonhava…
(Continua...)
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
Do mesmo autor, leia outro texto AQUI