Michel Eyquem de Montaigne nasceu no castelo de Périgord, em 28 de fevereiro de 1533, e faleceu no mesmo castelo a 13 de setembro de 1592, com quase sessenta anos, um idoso para os padrões da época.
Os Eyquem eram comerciantes na cidade portuária de Bordeaux, na França: vendiam vinhos, peixes salgados, pastéis. O pai de Michel, Pierre Eyquem, conseguiu comprar um castelo e terras férteis em Montaigne e abandonar os negócios. A partir daí, Montaigne passou a ser sobrenome da família.
A mãe de Michel era Antoinette Louppes – na origem, Lopez –, filha de um vendedor de vinhos de Toulouse e descendente de judeus da Espanha. O mundo de Michel era, portanto, pluricultural, tanto pela origem familiar quanto pelo ambiente da cidade em que nasceu. Ele possuía um “espírito atlântico”, na expressão de Thibaudet, um crítico literário francês do início do século passado.
A vida de Michel de Montaigne foi toda em ambiente erudito. Em casa, todos os familiares falavam latim, para que ele aprendesse a língua, não ficando só com a langue d’oui, de onde nasceu o francês. Aos seis anos, foi internado no Colégio, em Bordeaux. A seguir, estudou Direito e atuou no meio jurídico. Atuou também no Parlamento de Bordeaux, cargo a que renunciou. Voltou para seu castelo de Montaigne e trancou-se na torre, tendo apenas livros por companhia.
A famosa torre em que o autor escreveu seus Ensaios
Foi nesse isolamento que Michel de Montaigne começou a escrever seus Ensaios: deu esse nome porque não eram ciência nem literatura, apenas opiniões pessoais. O gênero inventado por ele é o mesmo que mais tarde passaria a ser chamado de crônica, abordando fatos do cotidiano, e não ideias: “Eu sou a verdade”, escreveu ele.
O conjunto de seus Ensaios tornou-se um patrimônio cultural, difundido no mundo inteiro. Seu tradutor no Brasil foi Sérgio Milliet (um paulista que estudou na Suíça desde os 14 até os 22 anos de idade: na Semana de Arte Moderna de São Paulo, declamou poemas dele em francês!).
A tradução de Sérgio Milliet foi lançada em 1961, pela Editora Globo, na coleção Biblioteca dos Séculos. É composta de três volumes de quase quinhentas páginas cada um, sobre temas como estes:
da tristeza
dos que improvisam e dos que se preparam para falar
dos mentirosos
de como filosofar é aprender a morrer
da força da imaginação
de como uma mesma coisa nos faz rir e chorar.
Num de seus Ensaios, a que deu o título Dos Livros, Montaigne fala de como não é fácil entrar no mundo da leitura, que é onde ele busca auxílio para escrever. Eis o que ele diz:
“Sei que não raro falo de coisas que são melhor comentadas pelos mestres do ofício. (...) Mas não se presta atenção à escolha das matérias que discuto, tão somente à maneira como as trato. (...) Não me inspiro nas citações: valho-me delas para corroborar o que digo e que não sei expressar tão bem, ou por insuficiência verbal ou por fraqueza da percepção”.
Michel de Montaigne
Outro problema que ele tinha de enfrentar é que quase todos os autores lidos na época eram em latim. Montaigne não gostava dos livros novos, muito superficiais, segundo ele. O único “moderno” que ele declarou apreciar foi o Decamerão de Boccaccio, uma obra “de passatempo”.
No final desse ensaio, assim sinalizou ele o modo com que o leitor deve encarar seus escritos:
“Exprimo livremente minha opinião acerca de tudo, mesmo daquilo que, por ultrapassar meus conhecimentos intelectuais, considero fora de minha alçada. O meu comentário tem por fim revelar meu ponto de vista, e não julgar o mérito das coisas”.
Em resumo, ainda vale a provocação de Sérgio Milliet: “A leitura dos Ensaios continua edificante quatrocentos anos depois de seu aparecimento”.
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado "O Quatrilho", que foi adaptado ao cinema, concorrendo ao Oscar
mail pozenato@terra.com.br
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