O primeiro coach a gente nunca esquece. O meu foi Raul Seixas, no período em que ele morou em Caxias, entre 1986 e 1987. Eu ia visitá-lo naquela casa de fundos, no bairro Panazzolo. Ou seria Cristo Redentor? Como determinar onde começa e termina um bairro? Esse e outros limites da cognição humana era um dos principais tópicos das nossas conversas.
Depois de ter passado the whole life traduzindo do inglês, ou seja, a vida inteira, Raul insistia em ser chamado de “treinador”, em vez de “coach”. Um treinador de vida, ele dizia, em analogia aos treinadores de “futebol”, esporte inglês bastante famoso naquela época.
Eu tinha catorze anos e estava em crise por ter sido reprovado no vestibular do SENAI. Meu grande sonho era me tornar um mecânico de automóveis, mas não passei no exame psicotécnico. Então Raul, depois de me dizer para tentar outra vez, concluiu que eu deveria ter coragem coragem, se aquilo que eu queria era aquilo que eu pensava e fazia.
Mais tarde, na cerimônia de posse na Academia Brasileira de Letras, descobri que essas teorias haviam sido tiradas da boca de Paulo Coelho, personagem do romance O Mago, de Fernando Morais. Mas é louvável que Raul nunca tenha tentado se esconder atrás dessa terceirização da responsabilidade: ele citava trechos inteiros do tal Paulo como se ele mesmo, Raul, tivesse escrito aquilo. Assumir como suas as palavras de outrem é um verdadeiro gesto de treinador, que não perde tempo com notas de rodapé.
Nunca me esqueço do último conselho que ele me deu, antes de partir para o Rio de Janeiro, onde pretendia se curar de algumas doenças metabólicas em que se verificam níveis elevados de glicose no sangue. Olhando-me por entre as barbas, Raul pareceu se identificar com o jovem sonhador que eu era e, querendo evitar que eu passasse por sofrimentos desnecessários, disse:
– A mecânica automotiva não é para todos, meu filho. Infelizmente, no nosso país, isso não é valorizado. Por que não tentas a carreira de poeta? É menos maravilhosa, mas pelo menos vai te dar o pão de cada dia. E, nas horas vagas, poderás sempre consertar um que outro motor como hobby.
Foi exatamente o que eu fiz.
Paulo Damin é escritor e tradutor em Caxias do Sul.
Do mesmo autor, leia outro texto AQUI