Todos sabem que (i) o poder executivo de Caxias do Sul estimou, na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023, um déficit de R$ 278 milhões; (ii) segundo notícia pública (confira AQUI), o déficit previdenciário do Município é de R$ 6,5 bilhões, que precisa, por lei, ser equacionado no prazo de 33 anos; e (iii) há processo judicial em fase de conclusão que tende a onerar o Município em aproximadamente R$ 1 bilhão.
Posto esse cenário, está em fase de estudos de viabilidade a PPP da MAESA e uma das premissas colocadas pelo próprio poder executivo é que, preferencialmente, o projeto seja sustentável do ponto de vista econômico-financeiro “sem contrapartida ou aporte [de recursos financeiros] por parte do poder público” (item 4, i, do EDITAL DE PMI Nº 01/2022. Confira AQUI).
Tal situação estabelece um moldura radicalmente desafiadora para que os estudos de viabilidade da PPP da MAESA sejam entregues, pois, em regra, PPPs demandam o pagamento de contraprestações pecuniárias pelo setor público; as estimativas iniciais de investimento para a revitalização da MAESA são muito altas; e investidores, seguradoras e bancos analisarão a situação fiscal do Município e precificarão os riscos associados a disputarem a concorrência pública da PPP em que o poder concedente encontra-se em situação fiscal desafiadora.
Percebam que Caxias do Sul não tem um contrato de PPP celebrado em outro segmento, logo, são desconhecidas de investidores, seguradoras e bancos a robustez e a resolutividade das garantias públicas do Município, necessárias a qualquer modelo de PPP, conforme a legislação nacional recomenda.
Por outro lado, o Município vem fazendo seu dever de casa há anos sobre a MAESA, o que, somado ao potencial do espaço, confere esperança sobre a viabilidade de um processo decisório público-privado de alta qualidade e impacto.
Entretanto, como a matemática não aceita argumentos mágicos, só há uma saída para a viabilidade econômico-financeira da PPP da MAESA: que todos os metros quadrados gerem valor econômico e social, garantindo a perenidade útil do equipamento.
Consideramos que cada metro quadrado da MAESA deve ter um propósito de geração de valor, todos essenciais para o sucesso do projeto, divididos do ponto de vista de sua preponderância entre: (i) financeiro; (ii) econômico; (iii) simbólico; e (iv) transformativo. Por óbvio a proposta é meramente conceitual, pois, na prática, um metro quadrado específico da MAESA tende e deve dialogar com mais de uma dimensão. Mas nos permitamos refletir sobre os conceitos isoladamente considerados.
A geração de valor financeira de um metro quadrado está associada a um fato inescapável em qualquer PPP: o ganhador da futura concorrência da PPP da MAESA investirá antecipadamente, com capital próprio e de terceiros, em um bem que não lhe pertence (pois pertence ao Município), conviverá com vários Prefeitos e Prefeitas que serão eleitos nas próximas décadas e, se cumprir o contrato adequadamente, poderá auferir um eventual retorno (que não é garantido em nenhuma PPP) em face do capital próprio que investiu e proporcional aos riscos que lhe foram transferidos pelo Município.
É do modelo de PPP, portanto, a preocupação com alguma perspectiva de que o licitante vencedor possa obter retorno em face dos riscos que assumiu contratualmente com o setor público, do contrário, a licitação será deserta e, dado o cenário fiscal em que o Município se encontra, a MAESA seguirá degradando-se.
Logo, parte dos metros quadrados da MAESA devem ser destinados a atividades de livre iniciativa que sejam potencialmente geradoras de recursos financeiros para que o investidor compreenda que, sim, no longo prazo, tem plenas condições de, em face dos riscos que assumiu, obter algum retorno que premie sua boa performance no âmbito da PPP celebrada com o poder executivo.
A geração de valor econômico de um metro quadrado está associada à necessidade de que em face dos recursos investidos, cada metro quadrado gere 5, 9, 15 ou 20 vezes mais valor econômico para a sociedade. Ora, uma política pública de educação pode e deve ser avaliada do ponto de vista de sua geração de valor econômico, pois uma população inteligente é produtora de valor econômico, para si, para a comunidade e para o setor público via pagamento de tributos. Aplica-se a mesma reflexão a uma Unidade Básica de Saúde bem gerida, pois cada real investido no equipamento gera prevenção de doenças mais complexas, fatais, destruidoras da saúde mental de uma família e geradoras de maiores custos para o orçamento público em tratamentos de alta e média complexidade.
O valor econômico gerado por cada metro quadrado da MAESA não precisa ser capturado pelo licitante vencedor, mas sim deve ser capturado coletivamente. Estamos a nos referir a todos os metros quadrados dedicados às políticas públicas que terão seu espaço na MAESA, a saber, seus espaços culturais, o mercado público (confira matéria AQUI) e os espaços dedicados aos mais de 200 expositores participantes da Feira MAESA Cultural, que sem dúvida terão o seu espaço físico e afetivo.
A geração de valor simbólico de um metro quadrado está associada à produção e à captura, coletiva e individual, de um sentimento de orgulho por observar, acompanhar e/ou participar, pelas próximas décadas, da gradual transformação da MAESA na plataforma mais importante de Caxias do Sul no século XXI.
A MAESA será o território consolidador do papel de Caxias do Sul como a capital da Serra Gaúcha. Definitivamente, a cidade voltará seus braços para o turismo, força econômica também definidora do amplo território em que Caxias do Sul está, o que apenas assegurará que o desenvolvimento econômico e social conquistado pela cidade nos últimos 100 anos, mantenha-se e renove-se nos próximos 100. Definitivamente, a cidade voltar-se-á, com a impecabilidade museológica e bibliográfica necessária, para as memórias associadas ao próprio espetáculo que foi sua jornada até aqui.
A geração de valor simbólico não é petrificada e deve continuamente ser ressignificada, em atenção aos anseios dos cidadãos, pela futura concessionária da MAESA.
A geração de valor transformativo de um metro quadrado está associada à capacidade que ele tem de produzir o impossível. Estamos a nos referir principalmente à inovação, quer seja em processos industriais, quer seja em decisões sobre políticas públicas, quer seja no que diz respeito à economia da informação.
A MAESA terá, sim, compromisso com a inovação aplicada a vários campos. Não seria desejoso que anualmente o Município escolhesse uma política pública importante para a cidade e que construísse um painel de controle eletrônico em uma área da MAESA para que todos pudessem observar o cumprimento de metas pactuadas coletivamente para, por exemplo, alcançar avanços contundentes na saúde, na educação, na coleta e no tratamento de esgoto, na disposição final de resíduos sólidos, na segurança pública, na fruição dos espaços público e áreas verdes da cidade?
O valor transformativo de alguns metros quadrados da MAESA também deve ser consolidado.
No fim do dia, a PPP é um mero instrumento para que todos esses valores sejam produzidos na MAESA. A PPP é um mero veículo que “destrava” a geração de múltiplos valores potenciais associados à revitalização da MAESA, garantido sua sustentabilidade no longo prazo.
Bruno Pereira é cofundador da Radar PPP (acesse o site AQUI), consultoria que lidera um dos grupos habilitados pelo poder Executivo de Caxias do Sul a elaborar os estudos de viabilidade e ocupação da MAESA, no âmbito de futura concorrência pública de Parceria Público-Privada (PPP).
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