Em qualquer comunidade de pequeno porte, como um dia foi Caxias do Sul há mais de 100 anos, o trabalho e o lazer são os elementos integradores do tecido social, além, logicamente, da conexão com o sagrado e o transcendente, papel das religiões.
Sempre foi assim e sempre será, qualquer que seja a comunidade. Há mais de 100 anos, o duro trabalho no campo era coroado por experiências de sociabilidade que envolviam fundamentalmente manifestações artísticas da própria comunidade. A música, o canto e o ato de contar histórias, até mesmo lendas.
Passadas muitas décadas, Caxias do Sul cresceu muito, adicionou à vocação agrícola original a sua vocação industrial. É normal que em uma terra com radical ética de trabalho, tendo enfrentado tantos sacrifícios para se desenvolver, que a fruição artística tenha, como regra, ficado um pouco de lado. “Primeiro o trabalho, sempre” poderia ser o lema da cidade.
Caxias é hoje uma cidade grande, líder de uma região pujante, que precisa reter parte dos turistas da Serra Gaúcha para que desfrutem e conheçam o que de melhor oferece a maior cidade da região. Que Caxias do Sul se fez praticamente sozinha, sabemos. Mas a Caxias do Sul do século XXI precisa ser mais porosa para a atração de talentos de fora, pois no mundo atual a capacidade de retenção de talentos de todas as partes do Brasil e do mundo é algo inescapável, ainda mais no cenário pós-pandêmico.
A revitalização da MAESA consolida um tema emergente na sociedade caxiense, a saber, a necessidade de mais ofertas culturais, inclusive como estratégia para o turismo e o desenvolvimento econômico e social amplamente considerados. Um dos pilares do futuro equipamento municipal, portanto, é justamente a cultura, quer seja por intermédio das artes plásticas, do teatro e da música. A oferta de cultura, alinhada aos padrões de qualidade das maiores cidades do país, é um fator para a atração e a retenção de talentos.
Com o generoso apoio da Família Martins (leia matéria AQUI), sem dúvida que Caxias do Sul tem o potencial e a responsabilidade de implantar na MAESA o melhor (sim, o melhor!) espaço museológico da Serra Gaúcha, com exposições permanentes e temporárias, que permita aos cidadãos e aos visitantes ter uma experiência de alta qualidade no que diz respeito à fruição e ao aprendizado artísticos, não apenas de coleções privadas organizadas com esmero, sempre relevantes, mas também das obras que compõem o Acervo Municipal de Artes Plásticas (AMARP).
Caxias do Sul merece e precisa de um espaço que seja impecável do ponto de vista museológico, como o MARGS, a Fundação Iberê Camargo, o Farol Santander POA e o Instituto Ling, apenas para mencionar exemplos localizados na capital do Estado.
Para além da cultura, a MAESA, sem dúvida, dialogará em suas várias vocações com a ética de trabalho que define a cidade. Uma das vocações que manterá intensa relação com o orgulho que a cidade nutre sobre sua ética é o futuro Mercado Público. Em nossa visão inicial, o mercado deve ser majoritariamente dedicado à produção de responsabilidade da agricultura familiar de Caxias do Sul e da Serra Gaúcha.
Como sabem, a cidade tem mais de 3.000 famílias produtoras de alimentos. Muitas vezes, os alimentos de ótima qualidade acabam por serem vendidos em outras cidades. Queremos refletir sobre a possibilidade de que exista na MAESA o “Mercado Familiar”, que majoritariamente oferecerá sua produção local, de alta qualidade, que respeite a sazonalidade e técnicas sustentáveis, ofertando produtos saudáveis para serem consumidos localmente, como as boas práticas ESG demandam.
O Mercado Familiar, portanto, é uma oportunidade de que os caxienses da área urbana prestem seu tributo às famílias que seguem no campo, cultivando as tradições originárias da cidade e da região. Adicionalmente, o Mercado Familiar também estabelecerá pontes para que as grandes potências associadas ao turismo rural no Município sejam destravadas, valorizadas, visíveis e consolidadas.
O Mercado Familiar não será um mero mercado; ele será um veículo de responsabilidade social para que as famílias do campo consigam auferir um legítimo incremento de renda para que possam bem cuidar dos seus. Parece-nos, portanto, que a dimensão rural de Caxias do Sul merece destaque na MAESA revitalizada, não apenas, mas principalmente por intermédio do Mercado Familiar.
As reflexões são iniciais e os estudos de viabilidade estão apenas começando (a previsão de sua conclusão é dezembro de 2022).
Em breve compartilharemos mais reflexões, com foco em inovação, empreendedorismo, indústria 4.0 e indústria criativa. Os artigos são verdadeiros convites para que mais pessoas e entidades se somem às dezenas que já estão trabalhando há meses conosco nos estudos de viabilidade da futura PPP da MAESA.
Bruno Pereira é cofundador da Radar PPP (acesse o site AQUI), consultoria que lidera um dos grupos habilitados pelo poder Executivo de Caxias do Sul a elaborar os estudos de viabilidade e ocupação da MAESA, no âmbito de futura concorrência pública de Parceria Público-Privada (PPP).
Do mesmo autor, leia também A hora e a vez dos "Eberles" do século XXI
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