Caxias do Sul 24/11/2024

Mentores: a nossa ponte entre a teoria e a vida real (Parte I)

“O que conta na vida não é o mero fato que vivemos. É a diferença que fizemos na vida dos outros que determinará a significância da vida que levamos.” Nelson Mandela
Produzido por Lisiane Dossin Miotti , 12/07/2021 às 08:24:28
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Vamos combinar que estamos sempre aprendendo nesta vida, mas também podemos estar sempre ensinando. Não importa quais sejam as nossas paixões ou aptidões, nossas profissões ou talentos, existe sempre algo que fazemos bem ou que entendemos melhor.

E como você chegou aí, eu pergunto, alguém lhe inspirou? Alguém lhe ensinou? Alguém desafiou você a tentar uma coisa nova ou resolver alguma questão com que você nunca tinha deparado? Alguém disse algo como: acredite no que você pode fazer, vá em frente, persista, tenha fé em si mesmo?

Alguém lhe corrigiu dizendo “não é assim que se faz, desse outro jeito dá mais certo”? Ou, por outro lado, alguma pessoa fez você questionar o que você já tinha por verdade e lhe mostrou outra forma de pensar? Ou, por sorte, alguém ajudou você a encontrar seu próprio caminho?

Se alguém lhe vem à mente, você pode ter descoberto que teve um mentor. É engraçado que não temos o hábito de pensar nisso, ou enxergar dessa forma. Pensamos nas pessoas que respeitamos, sim, pensamos nas pessoas com as quais aprendemos, mas muitas vezes não nos damos conta do quanto delas temos em nós e de quanto elas tocaram nossas vidas e fizeram a diferença nos rumos que tomamos e escolhas que fizemos.

Já havia declarado que a menopausa é a menina dos meus olhos e vou contar-lhes agora como ela ocupou esse lugar especial no meu trabalho e no meu coração.

Depois de seis anos de faculdade de medicina, seguiram-se dois anos de residência em ginecologia e obstetrícia e, então, eu abraçaria dois anos de residência em mastologia, nos quais estaria me dedicando exclusivamente ao tratamento do câncer de mama. Mas minha trajetória estava apenas começando.

Durante toda minha formação e treinamento profissional, tive o privilégio de ter como professores e mentores profissionais maravilhosos, doutoras e doutores que, mais do que tratar doenças femininas, estavam comprometidos a ajudar as mulheres a viverem plenamente.

Um mentor, por definição, é uma pessoa sábia e confiável que lidera pelo exemplo. Mas acredito que, acima de tudo, é uma pessoa que nos ajuda a encontrar a nossa própria maneira de ser “a melhor versão de nós mesmos”. Mentores não compartilham só conhecimento, eles inspiram, porque traduzem para você a vida adulta, o trabalho e os talentos, e compartilham a paixão de viver.

Na vida pessoal, os chamamos de madrinhas ou padrinhos e nomeá-los para os filhos é uma tradição medieval. Teve origem no cristianismo e segue sendo uma tradição cristã até hoje, mas, posteriormente, passou a ter sentidos distintos. As famílias os escolhiam pensando em quem poderia melhor instruir seus filhos para trilhar a vida adulta, ensinar-lhes um ofício, e os orientar quando começassem a questionar as regras da sua própria família, as suas raízes e o sentido da vida. O questionamento nunca mudou, e continua acontecendo na adolescência de hoje.

Para mim, o grande mentor foi o Dr. Daniel Parisotto. Esse médico, grande estudioso da saúde da mulher, da menopausa, da hormonioterapia, do câncer de mama, da osteoporose e, mais recentemente, das temidas trombofilias da gestação, é brilhante.

Exímio e criterioso cirurgião pélvico e de mamas, sempre foi extremamente caprichoso e rigoroso nos seus procedimentos. Nos anos em que trabalhei com ele, tive o privilégio de sorver da sua sabedoria e conhecimento. Ele me fazia refletir, quase que diariamente, sobre um tema que o inquietava muito: as nossas faltas na abordagem das pacientes na fase da menopausa, e ele estudava (e muito) para resolvermos essa questão. E agora, romântica que sou, devo dizer que sei que meu professor e mentor foi inspirado pelo amor.

Ele sempre foi pioneiro, talentoso e leitor voraz. Muito curioso e questionador, não aceitava simplesmente as regras e recomendações que chegavam de fora. Conferia as fontes e métodos de estudo e tinha sua própria avaliação dos resultados e das novidades que a medicina estava trazendo. Ainda quando ele dependia de livros que eram publicados em francês, chegavam de barco e levavam mais de dois anos para serem traduzidos e publicados no Brasil. Ele se empenhou para aprender francês para poder lê-los mais rapidamente.

Quando sua amada esposa e musa inspiradora, Márcia, entrou em menopausa e enfrentou todas as possíveis dificuldades que as mulheres enfrentam pela privação hormonal, ele conseguiu ter empatia, não só com ela, mas com todas as mulheres do mundo, e sentiu, como se fosse na própria pele, como é ruim não se sentir você mesmo de repente e ter a sua qualidade de vida e produtividade prejudicadas por uma vasta variedade de sintomas.

Ele entendeu, então, o absurdo que era a falta de opções medicamentosas e conhecimento que havia na época. Ele decidiu que iria saber muito mais do que estava disponível a respeito e que nenhuma mulher que passasse por ele ficaria privada de soluções e atenção no período do climatério.

Lembro bem que ele dizia com indignação: “É ridículo só termos uma opção de terapia hormonal para prescrever para as pacientes em menopausa (ele falava do Premarin, que é composto de estrogênios conjugados equinos). Me sinto dando milho para as galinhas e quem não se adaptar, paciência, só lhes resta enfrentar os sintomas a seco e rezar!”

Lembram que contei para vocês sobre o WHI, aquele estudo que, por erros na seleção de pacientes, resultou na destruição da reputação da hormonioterapia por quase uma década? Pois bem, conheci o Dr. Parisotto naquele ano, 2002, quando os resultados foram publicados. Nós os revisamos juntos, bem como todas outras as principais publicações que se seguiram. Já tínhamos percebido os erros e vieses e aguardávamos ansiosos pelas retratações, que demoraram e demoraram muito. Mas, mesmo assim, nunca privamos nossas pacientes da reposição hormonal segura e estávamos sempre no topo das novidades para trazer o melhor para elas.

Aquele papo que corria pelo mundo todo de que reposição hormonal era veneno e devia ser rechaçada a todo custo nunca colou para nós. Conhecíamos os benefícios, sabíamos da diferença que fazia na vida das nossas pacientes. Prescrevíamos com discernimento e conhecimento embasado e estudávamos muito para alcançar o melhor resultado possível.

Como tema de casa, deixo para você uma pergunta: quem considera um mentor na sua vida? Lembre que pode ser simples, mas é aquela pessoa cuja personalidade, conduta e incentivo residem em você e de uma forma positiva lhe transformaram em alguém melhor.

No próximo texto, conto mais um pouquinho da nossa história de parceria, confiança e amizade e de “muitas vidas salvas”, como gostávamos de brincar.

Lisiane Dossin Miotti é médica especialista em Mastologia, Ginecologia e Obstetrícia com formação na PUC-RS. Cursando especialização em Menopausa, Ciências do Bem-Estar e Longevidade nos EUA, onde vive há 5 anos.

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