Mario Quintana (1906-1994) foi outro poeta enfeitiçado pelo outono, na trilha de Paul Verlaine. Escreveu até um poema com o mesmo título, Canção de Outono. E também este Hai-Kai de Outono:
“Uma borboleta amarela?
Ou uma folha seca
Que se desprendeu e não quis pousar?”
A palavra “quintanares” é um neologismo inventado pelo poeta Manoel Bandeira, num poema de sua autoria, para homenagear Quintana na Academia Brasileira de Letras pelos seus sessenta anos. O curioso é que Mario Quintana tentou por três vezes uma vaga na Academia e não conseguiu ser eleito, mesmo sendo já um poeta de referência nacional. Perguntado sobre o porquê dessas derrotas, teria respondido, fazendo blague:
- Para entrar na Academia Brasileira de Letras a gente depende de Q.I.. Entendeu? Depende de Quem Indicou!
Uma faceta de Mario Quintana era o seu permanente senso de humor. A começar pela falta de acento em seu nome: é que Mario foi escrito sem acento no registro de nascimento, explicava. O jornalista Juarez Fonseca publicou em Porto Alegre o livrinho Ora Bolas: o humor de Mario Quintana, com “130 historinhas compiladas” junto a colegas e amigos do poeta. Juarez Fonseca conta que o poeta se divertia e “gostava de seu lado clown”.
Uma dessas brincadeiras é lembrada por Luis Fernando Verissimo:
“Uma vez ele pegou carona comigo e sentou no banco de trás. Quando eu parei na frente da casa do Josué (Guimarães), na rua Rivera, ele teve alguma dificuldade para descer do carro. E comentou: “Como a gente tem pernas, né?”.
Mario Quintana e os seus "quintanares" outonais
Vou contar duas dele acontecidas comigo.
A primeira foi quando eu fazia a Faculdade de Filosofia em Viamão e, por algum motivo que não lembro, fui até a redação do Correio do Povo com um colega. A sede do jornal era na famosa rua Caldas Júnior e a redação ficava no segundo andar. Para subir, o porteiro nos levou até o elevador, que tinha uma porta pantográfica, como se dizia, tipo grade: dava medo só de a gente se imaginar dentro dele. Mas o aparelho subiu, bem sonoro, sem problemas.
A primeira mesa na entrada da sala de redação, à esquerda da porta, era ocupada por quem? Mario Quintana, que datilografava numa Remington antiga, parecida com um robô! Meu colega chegou até ele e perguntou, cerimonioso:
- Posso lhe incomodar um instante?
- Eu não me incomodo – sorriu ele. – Acho que a minha Remington também não!...
A segunda foi uns dez anos depois, quando eu cursava o mestrado em Letras na UFRGS. O professor de Teoria Literária programou para os alunos, como exercício, darem palestras, sobre temas literários, abertas ao público. O local escolhido por ele foi nada menos que o auditório da Assembleia Legislativa. O tema que me coube foi falar sobre a poesia lírica. Ainda sinto um pouco da tensão com que fui até a mesa dos palestrantes. Tensão que subiu mais alguns graus quando vi, na terceira ou quarta fila de cadeiras, o poeta Mario Quintana. Como podia eu falar de poesia lírica diante de um poeta como Quintana? Mas respirei fundo e segui em frente.
Quando terminei, vi o Mario Quintana chegando até a mesa para me cumprimentar. Disse que eu tinha falado mais como poeta do que como crítico, desses que acham que sabem tudo! Agradeci e acrescentei:
- Vi o senhor na Feira do Livro de Caxias. Mas sou muito tímido para abordar as pessoas.
- E eu sou muito tímido para ser abordado – riu ele, virando as costas e saindo do auditório.
Como fecho de ouro, vai aqui sua Canção de outono:
O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida.
Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo inverso e dorido
De carícia a contrapelo.
Partir, ó alma, que dizes?
Colher as horas, em suma.
Mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte nenhuma!
- In: Canções (Ed. Globo, 1946)
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao cinema, concorrendo ao Oscar
pozenato@terra.com.br
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