Caxias do Sul 22/11/2024

Lygia Fagundes Telles e suas meninas

A sólida e perene obra legada pela “dama da literatura brasileira”
Produzido por José Clemente Pozenato, 08/04/2022 às 08:08:36
Foto: Marcos Fernando Kirst

Esta semana ficou marcada com a morte, também, de Lygia Fagundes Telles, que ganhou o epíteto de “a dama da literatura brasileira”. Nascida a 19 de abril de 1923, em São Paulo, quase se tornou centenária. Faleceu dia 3 de abril, em casa, de causas naturais, segundo o noticiário.

Sempre coloquei essa escritora no pedestal mais alto da literatura brasileira, ao lado de Clarice Lispector, de Raquel de Queiroz, de Lia Luft e da grande poeta Cecília Meirelles. Coube a elas abrir o caminho para nos dar a visão da mulher sobre o que acontece neste mundo.

Seu romance As meninas, publicado em 1973, é mais do que um repositório da visão feminina do mundo. É uma obra magistral, que tem o que ensinar a quem escreve ficção, em especial pelo uso que faz da técnica da narrativa com diversos pontos de vista, para mostrar que as coisas e os fatos podem ser vistos de mais de um ângulo.

Começou sua carreira aos quinze anos de idade, com o livro de contos Porão e Sobrado, publicado por seu pai, que era promotor público. Lygia teve a ousadia de enviar um exemplar dele, com uma carta cheia de afeto, para ninguém menos que Erico Verissimo, escritor de maior sucesso na época. E autor também de histórias com forte presença do olhar feminino. Basta citar Clarissa (1933) e Olhai os Lírios do Campo (1938). Os dois mantiveram correspondência até a morte de Erico.

As personagens centrais de As Meninas são três garotas que vão para a cidade de São Paulo para fazer universidade e se conhecem numa pensão, administrada por freiras. Ali se tornam confidentes, enquanto cada uma leva adiante seu projeto, driblando os conflitos pelo caminho.

Por coincidência, nessa época era comum também em Caxias do Sul a existência de pensões para estudantes que saíam do interior para cursar a universidade. Dessa convivência nasceram vários projetos de sucesso, no campo cultural, no campo político e também no empresarial. Um bom tema para um romance local seria essa experiência de transição de um mundo para o outro, com o espaço de questionamento proporcionado pela universidade. E que poderia ter o título de Meninas e Meninos... Fica aqui a sugestão.

Para concluir, mais uma curiosa coincidência. O romance As Meninas foi adaptado para o cinema, mantendo o título, sob a direção de Emiliano Ribeiro. E foi lançado em 1995, no mesmo ano do lançamento do filme O Quatrilho. O filme As Meninas não concorreu ao Oscar, mas ganhou prêmio no Festival de Cinema de Cartagena, na Colômbia, para as três atrizes: Adriana Esteves, Cláudia Liz e Drica Morais. O que ajudou a consolidar ainda mais o renome de Lygia Fagundes Telles como autora dessa obra. Como ocorreu com a filmagem de O Quatrilho.

Com tantas afinidades e coincidências – nem todas relembradas aqui –, não há como não sentir profundamente a perda dessa “dama da literatura brasileira”. Felizmente, fica sua obra literária como um legado que não deverá jamais ser esquecido.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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