Caxias do Sul 23/11/2024

Longe da sala de aula

O ensino a distância é bom ou é ruim para a educação no Brasil?
Produzido por José Clemente Pozenato, 17/11/2023 às 09:27:40
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”
Foto: Marcos Fernando Kirst

O ensino a distância, EaD, vem ocupando cada vez mais o campo da educação superior no mundo inteiro. No Brasil, dados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) apontam que no período de dez anos, entre 2012 e 2022, o número de alunos matriculados em cursos de graduação a distância passou de 1,1 milhão para 4,3 milhões. Isto é, o número mais que triplicou em uma década.

Comparando com as matrículas presenciais, os dados são ainda mais espantosos. Em 2012, o número de alunos presenciais nas universidades e faculdades chegava perto da faixa dos seis milhões. Em 2022, o total havia caído já para a casa dos cinco milhões. E o que mais chama a atenção é que o crescimento das matrículas a distância foi maior nos cursos de licenciatura, que são os que formam professores para diversas áreas da educação básica.

O forte do EaD está nas instituições privadas, que conseguem aumentar o número de alunos reduzindo o número de professores. Dados do INEP foram levantados para uma comparação entre duas instituições, uma de ensino presencial e outra de ensino a distância. Na primeira, para cerca de 60 mil alunos matriculados, havia quase seis mil professores. Na outra, que realiza EaD para mais de 650 mil alunos, o número de docentes não chega a trezentos.

A questão que se levanta é esta: isso é bom ou é ruim para a educação no Brasil, desde o ensino fundamental até o superior? Como ocorre nesses casos que envolvem comportamentos, a resposta tende a ser complexa: se há perdas, pode também haver ganhos. As perdas estariam na falta de contatos pessoais entre docentes e discentes. Os ganhos estariam no aumento de oportunidades e de possibilidades de formação superior, sem ter de sair de casa.

O ensino presencial teve forte presença na história. A universidade, instituição criada no século XIII, foi definida como “congregação de professores e alunos”: congregação que exigia a presença física de uns e outros. O ensino médio, por sua vez, era ministrado nos colégios, com alunos convivendo dentro do mesmo espaço, que ganhou o nome de internato, ou colégio interno.

No Brasil, os primeiros cursos superiores, na área jurídica, foram criados logo depois da Independência. A Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, foi instalada num antigo convento, hoje tombado pelo patrimônio histórico, para permitir a internação de alunos procedentes de vários estados do país. A peça teatral Os bacharéis, de Simões Lopes Neto, encenada há pouco em Porto Alegre, dá bem uma ideia de como se dava essa convivência.

No ensino médio, outra obra clássica mostra seu perfil nas origens, no período imperial: é ela O Ateneu, de Raul Pompeia, que inicia com esta frase:

“Vais encontrar o mundo, disse meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta”. Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões da criança criada exoticamente na estufa de carinho que é o regime de amor doméstico, diferente do que se encontra fora”.

O romance de Raul Pompeia, precursor do realismo, mergulha no ambiente do internato, com o autoritarismo do diretor e os atritos e amizades com os colegas. A história termina com um incêndio no colégio, numa espécie de condenação metafórica insinuada pelo autor.

Os colégios internos espalharam-se depois pelo Brasil inteiro, quase sempre sob a orientação de congregações religiosas, criadas para esse fim na Europa e que migraram também para a Serra Gaúcha. Temos, portanto, condições de comparar esses dois extremos: o internato e o ensino a distância...

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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