Caxias do Sul 21/11/2024

Jornada de Torres a Araranguá

Nova etapa da conturbada viagem do Cônego Donato se reveste em drama
Produzido por José Clemente Pozenato, 29/08/2024 às 17:06:23
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”
Foto: Marcos Fernando Kirst

O percurso de Torres a Araranguá foi tão dramático que é melhor traduzir ao pé da letra (com alguns recortes) a narrativa do Cônego Donato.

Na manhã de 9 de abril levantei bem cedo porque queria celebrar a missa. Fui até a casa canônica, bati na porta mas ninguém respondeu. [...] Depois de meia hora tive a graça de celebrar a missa. Retornado ao hotel tomei o café da manhã e como o caminhão demorava a chegar (nota: tinha ficado retido na estrada à noite) entrei no quarto para dormir, mas tinham passado alguns minutos e me chamaram para partir. Saímos pelas 9h30 para Araranguá, sempre em dúvida se chegaríamos naquele dia.

Passado o rio Mampituba (Mantituba, no registro do Cônego) depois de 25 quilômetros pelo Estado de Santa Catarina, o caminhão “que se pode chamar de carcaça velha e caduca” aprontou outra:

Parou como para um viajante que perdeu as forças. O que tinha acontecido? Uma nova desgraça imprevista. O caminhão não podia prosseguir porque a bateria não funcionava mais. Que podíamos fazer para remediar? Não havia remédio nenhum. Voltar a pé para Torres era um caminho muito longo, andar até Araranguá pior ainda.

O dono do caminhão, Fracasso, viu dois pescadores. Aproximou-se para conversar e conseguiu que um deles concordasse em ir até Sombrio para, de lá, telefonar para Araranguá para que enviassem um caminhão de socorro e uma bateria. O outro pescador se ofereceu para preparar peixe frito. O Cônego Donato não deixa de registrar o que o impressionou na figura deles:

São pessoas malvestidas que habitam cabanas pobres, são macilentos, pálidos, raquíticos, com roupas esfarrapadas que chegam a assustar.

O primeiro saiu a pé na direção de Sombrio, que ficava longe, a 12 quilômetros de onde estavam, mas, com isso, os passageiros do caminhão ganharam coragem. Por volta das duas horas, chegou o outro pescador trazendo peixe frito e uma jarra de leite. “Era cerca de uma dúzia de peixinhos de 100 gramas. Como podiam matar a fome de dez pessoas? Se tivéssemos levado pelo menos um pouco de pão! Comemos os poucos peixes. O pescador pediu 8$000, e nós demos a ele 10$000”.

Depois de comer, ficaram andando pela praia de Sombrio, esperando o caminhão de socorro que não chegava nunca.

Quando vi que eram quase sete horas e que a noite estava chegando perdi a esperança de dormir em Araranguá. Pensei em dormir no carro usando como travesseiro minha pequena valise. Anoiteceu e eu não tinha ainda pegado no sono quando meus companheiros gritaram: - Padre, levante, que está chegando o carro de socorro. [...] Levantei e, à distância de uns dez quilômetros, vi um carro com uma luz resplandecente e depois de alguns minutos, para nossa grande alegria, chegou o suspirado carro de socorro. Era um belíssimo caminhão da empresa Jaeger, guiado por um competente mecânico e um ajudante, o sr. Elto Labes, com uma bateria e provisão de pão.

O Cônego Donato perguntou ao sr. Labes o motivo de não ter vindo antes, já que ele tinha enviado o pescador a Sombrio para telefonar para Araranguá em busca de socorro às 11 horas da manhã, e o caminhão só chegava agora à noite.

A explicação dada, toda cheia de caraminholas, é matéria para um capítulo inteiro. É quase uma sequência de filme de suspense, do gênero Hitchcock!

(CONTINUA SEMANA QUE VEM)

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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