Pot-pourri é como os franceses designam uma miscelânea de estilos, seja no campo da música, seja no da literatura e de outras artes.
O livro Invenção de Orfeu, do poeta alagoano Jorge de Lima, publicado em 1952, cabe perfeitamente dentro dessa rubrica.
Meu primeiro contato com essa obra aconteceu bem cedo, dois anos depois de ela ser editada.
Eu estava na primeira série do Curso Colegial, como era chamado na época o Segundo Grau.
Certa manhã, no começo da aula, nosso professor de Literatura Brasileira fez uma pausa até toda a turma se concentrar nele, abriu um livro na primeira página e leu em voz alta:
Um barão assinalado,
sem brasão, sem gume e fama
cumpre apenas o seu fado:
amar, louvar sua dama,
dia e noite navegar,
que é de aquém e de além-mar
a ilha que busca e amor que ama.
Olhou para os alunos e, como ninguém reagiu, fechou o livro e o colocou sobre a mesinha, dando sequência ao tema do dia. Finda a aula, saí atrás dele para perguntar se eu podia ler aquele livro. Ele abriu um sorriso, pôs o livro em minhas mãos e disse: “Tu vais gostar”.
Confesso que não foi uma leitura fácil. O poema é dividido em dez Cantos, como Os Lusíadas, mas com uma diversidade, ou miscelânea, de estilos de espantar. Contei também o número de versos: 10.040. Mais do que Os Lusíadas, que contém 8.816 versos. Perde para a Ilíada, de Homero, que tem mais de quinze mil versos, em grego.
Quando comecei a dar aulas de Literatura Brasileira no Curso de Letras da Faculdade, coloquei a Invenção de Orfeu dentro do programa. Mas aconteceu comigo o que acontecera com meu professor. Lida a primeira estrofe do Canto Primeiro – Fundação da Ilha, os bocejos de cá e de lá me sinalizaram para mudar de assunto. E foi também o que fiz...
Mas se os tempos mudaram, e houver algum leitor, ou leitora, dispostos a navegar nesse mar de versos, vão aqui algumas pistas.
A primeira é a de que são evocadas dentro do poema todas as epopeias conhecidas: a Ilíada, a Odisseia, a Eneida, a Divina Comédia, Os Lusíadas, além de poemas célebres de diversas línguas, como o Le Bateau Ivre (“O Navio Ébrio”, ou “O Barco Bêbado”) de Arthur Rimbaud.
Além disso, em sua Invenção de Orfeu, Jorge de Lima utiliza todas as medidas de verso existentes na língua portuguesa, desde a poesia medieval até a poesia modernista: a redondilha, a sextina, o soneto, o dístico, a canção e por aí afora, em versos que vão desde o de quatro sílabas até o parnasiano de doze sílabas. Percorrer o poema exige, portanto, levar junto todas as ferramentas das técnicas do verso.
E concluo com a palavra em latim, que significa “Acabou”, usada por Jorge de Lima, grifada e em maiúsculas, no final de sua Invenção:
EXPLICIT
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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