Caxias do Sul 21/11/2024

Gringos e Troian (revisitado)

Cronista reedita texto no qual evoca a trajetória do produtor cultural Claudio Troian, que saiu de cena esta semana
Produzido por Paulo Damin, 01/11/2024 às 08:30:36
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Claudio Troian nasceu em Londres, nos anos 1950. Mas não demorou para que ele se entediasse naquele lugar provinciano, e foi assim que ele foi morar em Bento Gonçalves, onde a cena cultural era muito mais vibrante.

Ali ele aprendeu a costurar os próprios cabelos e a deixar as próprias calças crescerem. No entanto, riam dele na rua porque Troian falava o inglês de Oxford, enquanto os gringos só falavam o inglês de Bento. Além do mais, para se locomover nas avenidas da roça, Claudio andava sempre montado em seu picaço neón e o povo, douto em mitologia, desconfiava de todo e qualquer cavalo de Troian.

Então soou o apito do trem. O nosso herói, prevendo o sucateamento da malha ferroviária nacional, que faria com que, anos depois, os trens se tornassem apenas palavras usadas na MPB mineira, saltou para dentro do primeiro vagão. O problema é que o trem estava cheio de milicos, que imediatamente arregimentaram o jovem: ao escutarem seu sotaque, acharam que Troian fosse americano, e os militares da época gostavam muito dos americanos.

Tendo sobrevivido à tentação de seguir carreira no quartel e virar senador pela Arena sessenta anos depois, Troian decidiu ir para Porto Alegre de ônibus, pois já não havia mais trens, conforme predito por ele mesmo, segundo o narrador, no parágrafo acima. Lá ele se tornou um grande contrabaixista e inventou o rock progressivo.

Claudio Troian protagonizou o cenário cultural caxiense no primeiro quarto do século XXI

(Foto: Carlos Toigo)

Porém, irrequieto em meio ao marasmo porto-alegrense, Claudio Troian decidiu lançar-se à dura vida dos hippies no litoral canarinho. Namorou Janis Joplin em sua estadia com Sergei, contribuiu para a fundação da comuna de Luz del Fuego, orientou Caetano na criação do Tropicalismo, mediou a separação de Arnaldo e Rita, e foi numa esquina da Lagoa, em Florianópolis, que ele conheceu a cartomante que mudaria seu destino, ao lhe dizer: vai, Claudio, ser produtor cultural na vida.

Foi assim que Troian se tornou esse paladino da arte, ajudando gênios preteridos pelo sistema mercadológico glocal. E foi trabalhar em Caxias, para mostrar aos colonos com quantos parágrafos se faz um projeto.

Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.

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Leia também entrevista feita pelo Portal com Claudio Troian na seção “Papo Cult”, em março de 2021, clicando AQUI