Claudio Troian nasceu em Londres, nos anos 1950. O planeta recém havia saído de uma guerra nuclear e todo mundo tinha muita pressa de inventar o pop.
Aos dez anos, Troian mudou-se para Liverpool, conheceu John Lennon e se ofereceu para ser o contrabaixista – como se chamavam os baixistas naquele tempo – do conjunto – como se chamavam as bandas naquele tempo – em que John tocava. No entanto, quem mandava de verdade na banda era uma sociedade anônima que estava buscando rapazes imberbes e Troian foi rejeitado por ser maduro demais.
Incomodado com o provincianismo inglês, Claudio Troian decidiu ir morar em Bento Gonçalves, onde a cena cultural era muito mais vibrante. Ali ele aprendeu a costurar os próprios cabelos e a deixar as próprias calças crescerem. No entanto, riam dele na rua porque Troian falava o inglês de Oxford, enquanto os gringos só falavam o inglês de Bento. Além do mais, para se locomover nas avenidas néon da roça, Claudio andava sempre montado e o povo, douto em mitologia grega, desconfiava de todo e qualquer cavalo de Troian.
Então soou o apito do trem e Claudio, prevendo o sucateamento da malha ferroviária nacional que faria com que, anos depois, os trens se tornassem apenas palavras usadas na MPB mineira, saltou para dentro do primeiro vagão. O que ele não sabia era que o trem estava cheio de milicos, que imediatamente o arregimentaram, pois, ao escutarem seu sotaque, acharam que Troian fosse americano – e os militares da época gostavam muito dos americanos.
Tendo sobrevivido à tentação de seguir carreira no quartel e virar senador pela Arena sessenta anos depois, Troian decidiu ir para Porto Alegre de ônibus, pois já não havia mais trens, conforme predito por ele mesmo, segundo o narrador, no parágrafo acima. Lá ele realizou seu sonho de ser contrabaixista de um conjunto de rock progressivo, vingando-se definitivamente do bullying cometido pelos Beatles S/A, os quais, competitivos como eram, passaram também a tocar rock de drogado.
Claudio Troian, o paladino da arte na Serra Gaúcha (Foto: Carlos Toigo)
Decepcionado com a irremediável baixeza da inveja humana, Claudio Troian enfrentou a dura vida dos hippies no litoral canarinho. Namorou Janis Joplin em sua estadia com Sergei, contribuiu para a fundação da comuna de Luz del Fuego, orientou Caetano na fundação do Tropicalismo, mediou a separação de Arnaldo e Rita, mas foi numa esquina da Lagoa, em Florianópolis, que ele conheceu a cartomante que mudaria seu destino, ao lhe dizer: vai, Claudio, ser produtor cultural na vida.
Foi assim que Troian se tornou esse paladino da arte, ajudando gênios preteridos pelo sistema mercadológico glocal. E veio trabalhar em Caxias, para mostrar aos colonos locais com quantos parágrafos se faz um projeto.
(Texto publicado originalmente no Facebook da Feira de Livro de Caxias do Sul, como parte do evento “Biblioteca Humana”, edição de 2022).
Paulo Damin é escritor e tradutor em Caxias do Sul.
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