Agora que o Caxias subiu pra série C, eu acho que posso fazer qualquer coisa. Inclusive falar de certos amigos. O Meleca, por exemplo. Não digo de onde ele ganhou esse chamamento. Faz parte da tradição sul-americana: apelido se deduz, não se discute.
O causo é que o Meleca, em Porto Alegre, é um dos únicos a usar camisa do Caxias em qualquer situação. Teve uma, por exemplo, num grenal. Foi no Xis do Nildo, único bar porto-alegrense onde se serve o genuíno genérico de Campari fabricado em Flores da Cunha, a Guaíba caxiense.
Os colorados encaravam de revesgueio. Os gremistas de enviesado. E vice-versa: zero a zero o tal grenal. Aí o Meleca grita, vira a mesa, derruba a bandeja do garçom Celiomar – era gol do Caxias! O véio Nildo depois foi cumprimentar, deu dose de graça, que a única emoção naquela jornada laborativa tinha sido propiciada pelo Meleca, que foi ouvir o jogo do Caxias no xis durante um grenal.
Depois teve outras, do Meleca sendo confundido com torcedor da Venezuela, do Fluminense, do Lanús, do Bahia. Inclusive a mulher dele é venezuelana. Ela apareceu aqui com a desculpa oficial do futebol, viu o Meleca de grená na rua e foi desertar com ele. Fizeram logo um par de sofredorzinhos.
Se o trabalhador médio porto-alegrense leva duas horas pra ir pro serviço, o Meleca leva três, que não tem dia que ele não precise parar no meio do caminho pra explicar a razão de usar aquela camisa. Uber, porém, ele vai de graça, que a cor grená abre muitas portas entre os venezuelanos, como vimos anteriormente.
Aí fizeram um concurso entre os periféricos da capital pra saber quem era mais periférico. Tipo: se o cara da Restinga era mais periférico, se o cara da Lomba e tal. Aceitaram até inscrição de Cachoeirinha, Alvorada, Gravataí. E ganhou o Meleca. Que um dos critérios era o time que o cara torcia. O Meleca era privilegiado – morava no Partenon – só que torcia pro Caxias!
Agora que o Caxias subiu pra série C eu acho que posso fazer qualquer coisa. Inclusive pedir a opinião de certos amigos, antes de publicar.
– Só tem um erro – diz o Meleca –. O Caxias não subiu. O Caxias voltou.
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
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