Caxias do Sul 03/12/2024

Gonçalves Dias e os palcos

A pouco conhecida inclinação do grande poeta caxiense pela arte dramatúrgica de seu tempo
Produzido por José Clemente Pozenato, 08/08/2020 às 08:13:28
Foto: Marcos Fernando Kirst

Quem ouve ou lê o nome de Gonçalves Dias, automaticamente traz à memória a Canção do Exílio: “Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá”. Ou então o I-Juca-Pirama: “No meio das tabas de amenos verdores / cercadas de troncos, cobertos de flores”.

A imagem construída para ele é a do poeta romântico e indianista. Não sem motivo. Desde os primeiros anos de escola, fomos todos contaminados por esses poemas.

Um século e meio depois de sua morte, ocorrida no naufrágio do navio Ville de Boulogne, em que voltava da Europa, sua ampla atividade no campo do hoje denominado jornalismo cultural vem sendo resgatada.

Gonçalves Dias, o poeta apaixonado por teatro

Uma das publicações fundamentais para conhecermos este lado do trabalho de Gonçalves Dias foi escrita por um nosso conterrâneo, Luís Antônio Giron. O livro traz este título: Antônio Gonçalves Dias – Crônicas Reunidas. Mais o seguinte subtítulo: Folhetins teatrais, crítica literária e de artes plásticas e crônica urbana.

Sua edição, em 2013, contou com a chancela oficial da Academia Brasileira de Letras, nada menos, e soma perto de seiscentas páginas. Em resumo, um tesouro a ser apreciado. Giron resume assim o propósito de seu trabalho feito com base na coleta do patrimônio escrito de Gonçalves Dias, um patrimônio quase totalmente desconhecido, que apenas um minerador literário seria capaz de descobrir:

“O seu monumento necessita ser redimensionado. Gonçalves Dias não foi apenas o vate do epos indianista e o cantor da impossibilidade amorosa e do exílio, mas também o polemista literário, o dramaturgo crítico, o diletante da Arte Lírica e o retratista da vida real da Cidade”.

Deixei aqui já alguns apontamentos sobre as marcas deixadas pela arte lírica e dramática, uma arte apresentada nos palcos, no Rio de Janeiro dos tempos do Império, em personalidades como Machado de Assis e Dom Pedro II. O livro escrito por Luís Antônio Giron amplia esse quadro com a participação de Gonçalves Dias nesse contexto.

O interesse de nosso poeta pela arte dos palcos começou bem cedo, quando era estudante de direito na Universidade de Coimbra. Lá escreveu a Canção do Exílio, como todos sabem. Mas lá redigiu também dois textos para teatro, os dramas Patkull e Beatriz Cenci.

O segundo deles teve estreia no Rio de Janeiro, depois de Gonçalves Dias ter ido morar na cidade, em busca de trabalho, onde foi professor de Latim e História, no Colégio Pedro II, e cronista em quatro diferentes jornais.

Nessas crônicas, com organização e notas de Luís Antônio Giron, é onde a ligação de Gonçalves Dias com a arte dos palcos fica bem iluminada. E não eram apenas laudatórios seus folhetins, como se chamavam na época as crônicas de jornal. Há os elogios, como este:

“Quando o espectador aplaude a Sra. Merea, cumpre um dever porque aplaude o talento e o estudo, porque foi aqui que a jovem cantora quase que encetou a carreira dramática, onde ela de dia em dia e à força de estudo desenvolveu beleza na sua voz cheia de frescura e harmonias, e marchou ganhando sempre terreno na carreira artística”.

Mas há também a crítica contundente, de que vai uma amostra:

O Teatro São Pedro não tem maquinista, não tem pintores, não tem artistas para a perfeita execução das óperas e dramas, faltam-lhe coros ao menos toleráveis, está muito sujo”. Duro, não é?...

Para concluir, duas curiosidades não muito divulgadas a respeito dessa figura.

Uma, é o retrato físico do poeta, escrito por um amigo: “Era Gonçalves Dias, como Horácio e como Dante, de baixa estatura, que não excedia a 1m50, mas bem-proporcionado e musculoso [...] e grande disposição para caminhar a pé”.

Outra, é o relato de Machado de Assis contando como conheceu o poeta numa redação de jornal: “Estava na redação do Diário do Rio, quando ali entrou um homem pequenino, magro, ligeiro. Não foi preciso que me dissessem o nome, adivinhei quem era. Gonçalves Dias! Fiquei a olhar, pasmado, com todas as minhas sensações e entusiasmos da adolescência. Ouvia cantar em mim a famosa Canção do Exílio”.

Vem desde lá a estreita ligação entre a Canção do Exílio e o poeta caxiense Gonçalves Dias. Caxiense de Caxias do Maranhão, é claro, porque a nossa Caxias, que depois ganhou o sobrenome “do Sul”, ainda não existia no mapa do Brasil!

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado "O Quatrilho", que foi adaptado ao cinema, concorrendo ao Oscar.

mail e-mail: pozenato@terra.com.br

Do mesmo autor, leia outro texto AQUI