Frótola foi uma das palavras que aprendi à medida em que era iniciado na fala do Talian. Pelo que captei nas conversas, ela podia significar “piada” ou “anedota”, mas também “mentira”. O Dicionário Vêneto Sul-rio-grandense, de Alberto V. Stawinski (na época o Talian ainda era chamado de Vêneto), traz esta definição:
Frótola, s.f., piada, chalaça, dito zombeteiro, lorota.
Ela tem, portanto, os dois sentidos, porque “lorota” significa, segundo o Houaiss, “dito mentiroso, palavreado com fito de enganar”.
Bem mais tarde, descobri que Frótola tem um terceiro sentido. Terceiro não, primeiro, porque dele é que derivaram os outros dois, de piada e lorota.
No final da Idade Média, entre os séculos XIII e XIV, quando começaram a se firmar as línguas derivadas do latim, surgiu na Itália a Frottola, uma composição poética de origem popular. Quando a “língua vulgar” começou a ser utilizada como língua literária, a Frottola ganhou também lugar na produção dos poetas da época.
Sua marca mais característica é de que mantém um traço popular, sem o tom erudito dos poetas do “stil nuovo”. Usa metro variado e é recheada de provérbios e adivinhas, quase sempre em tom jocoso. Minha grande surpresa foi ficar sabendo que Petrarca, mestre da lírica ocidental, também brincou de escrever Frottole.
Pesquisas feitas a partir do final do século XIX localizaram manuscritos autógrafos de rimas de Petrarca, com anotações à margem, na Biblioteca Vaticana e também na Biblioteca Casanatense, ambas de Roma. E, para surpresa dos estudiosos, foram localizadas Frottole a ele atribuídas no Seminário de Pádua, junto a uma coletânea de manuscritos de sua autoria.
Vittorio Cian, cientista literário que se dedicou a rever e organizar toda poesia atribuída a Petrarca, em livro publicado em 1923 (Rime Disperse di Francesco Petrarca, o a Lui Attribuite), fez este comentário:
“Será, pelo menos, um material útil para a história da fortuna poética de Petrarca, que necessita ainda de muitas investigações para ser completada. (...) Todavia, é dever de justiça registrar que, entre os próprios textos atribuídos sem nenhuma razão a Petrarca, há alguns que, desprovidos de valor poético, não são inferiores talvez a certos produtos genuínos da Musa petrarquiana, pois também ela, às vezes, cochilava”...
Na coletânea organizada por Vittorio Cian comparecem três Frottole atribuídas a Petrarca, cada uma delas com quase duzentos versos, cheios de trocadilhos e de brincadeiras. Por isso, vai aqui apenas um aperitivo.
Não siga pelo mar Non vada per mare
Quem quer viver seguro. Chi vuol viver securo
Alguém que é muito duro Colui ch’è tropo duro
É pior do que uma besta. È peggio d’uma besta,
E frango sem a crista E pollo senza cresta
Não é ainda capão. Non è però capone.
Que vale hoje um contrato, Che vale oggi um contratto
Se a raposa não aprova? Se non v’assente volpe?
Mas uma boa polpa E pur le buone polpe
Agrada até o estranho. Piacciono a ciascuno.
O preto com castanho Il bianco com lo bruno
Passa a ser marrom. Si fa chiamar balzano
Indo de mão em mão E pur di mano in mano
A gata vai pro saco. Va la gatta in sacco.
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
Do mesmo autor, leia outro texto AQUI