Era uma vez um riozinho que corria de cima para baixo. Que rio não é bobo: faz o fácil. E isso, no caso, se confunde com o necessário. Assim vivia o Arroio Floresta. Brotava duma pedra em cima da montanha e ia descendo, tranquilo, entre gramas – que, por sua vez, também faziam o fácil. No caso delas, o básico era ficar perto da água, para matar a sede e ver o infinito acontecendo.
Aí, um belo dia – é sempre um belo dia quando se trata de arroio. Um dia qualquer, portanto, apareceu um roubou. Como ele era feito de lata, ele não conseguia passar perto do Arroio Floresta sem ficar enferrujado. Ficando enferrujado, ele não conseguia andar. Se o roubou fosse um bicho, digamos um gato, o que ele faria? Desviaria. É o mais fácil, para um gato: se não consegue vencer o obstáculo, ele vai embora. Mas o roubou não: ele não podia ver algo difícil para fazer que ele logo queria fazer de um jeito mais difícil ainda.
Primeiro ele cortou uma árvore e jogou o tronco por cima do Arroio Floresta, para passar por cima dele. A Dona Floresta, mãe do Arroio, deu uma reclamada, mas nada assim tão forte que fizesse o roubou pensar: ai que medo da Dona Floresta. A forma da Dona Floresta reclamar foi daquele jeito delicado dela: ela fazia o tronco ficar úmido, de modo que o roubou sempre resbalava quando passava por cima dele. E caía na água. E ia se enferrujando.
Aí o roubou pensou: o que é mais difícil fazer agora? Uma ponte, claro! E derroubou sete árvores, serrou e pregou de forma que ficou uma ponte sobre o Arroio Floresta. Aí não era tão úmido, ele não resbalava. Mas, dessa vez, a Dona Floresta ficou mais sentida. Fez um pacto com o Arroio, filho dela. Daí, um dia lá que choveu, o Arroio cresceu e levou embora os galhos e troncos todos – o roubou ficou sem nada.
Só que, em vez de pensar ok, vou buscar outro caminho, o roubou pensou como sempre: o que é mais difícil fazer agora? Um emparedamento, claro! E chamou vários colegas para ajudar na obra: um roubou especialista em cavar fossa, outro roubou especialista em fincar estacas, outro roubou especialista num negócio chamado “sim minto com credo”, que era uma baita inovação tecnológica. E taparam o Arroio Floresta por todos os lados.
Ficou fácil demais para o roubou e ele nunca mais passou por ali. Veio outro roubou em seguida: um especialista em arrancar raízes, cuja busca por dificuldade o levou a tirar todas as árvores da Dona Floresta. Depois veio outro, especialista em esgotar – e a história foi perdendo a graça. O Arroio só conseguia se manifestar quando chovia muito e ele transbordava pela boca de lobo.
É daí que vieram as fábulas de lobo mau. O lobo, na verdade, é o Arroio Floresta bem brabo, procurando o roubou que o emparedou.
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
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