Caxias do Sul 21/11/2024

Escritores vênetos da atualidade

Obras de quatro autores italianos do século passado merecem a atenção dos leitores
Produzido por José Clemente Pozenato, 17/10/2024 às 08:05:54
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”
Foto: Marcos Fernando Kirst

Um recente amigo, muito prestimoso, me fez chegar às mãos algumas obras de quatro escritores vênetos. Todos eles nasceram nos anos 1920 e faleceram no início deste século, entre os oitenta e cinco e os noventa anos de idade.

São eles, pela ordem cronológica: Mario Rigoni Stern: 1921-2008; Andrea Zanzotto: 1921-2011; Luigi Meneghello: 1922-2007; Gian Antonio Cibotto: 1925-2017. Os quatro conviveram com mudanças substanciais ocorridas na Itália: o fascismo, a Segunda Guerra e a industrialização, “que transformaram radicalmente a fisionomia do território”, como observa Romolo Bugaro, também um escritor vêneto, nascido em Pádua, em 1961.

Dos quatro, quem mais me prendeu a atenção foi G. A. Cibotto, que é como ele assina seu romance lançado em 1961, com o título de Scano Boa.

Scano Boa é uma ilha arenosa no famoso delta do rio Po, que fica a cerca de cinquenta quilômetros de Veneza. Nesse delta está também o Faro di Pila, em português Farol de Pila, situado na margem esquerda do rio Po, com altura de 45 metros e uma potência luminosa de 30 quilômetros. Esse farol foi exaltado pelo poeta Eugenio Montale, um expoente da poesia italiana. É nesse cenário que G. A. Cibotto situa seu romance, que começa com esta dedicatória:

Em memória de Eugenio Montale, que do farol de Pila cantou árias “verdianas” (Nota: poemas que lembram a música de Verdi).

Romolo Bugaro, em nota introdutória ao romance, observa que, em seu autor, “A coisa mais marcante é a força e a intensidade de seu olhar. Um olhar móvel, penetrante, agudíssimo, e ao mesmo tempo distante, sempre focado na profundidade que só ele conhecia.” É com esse olhar que ele constrói a trajetória do protagonista, como afirma Bugaro:

Este breve romance, Scano Boa, é um desesperado, comovente, humaníssimo canto sobre a obstinação e a irredutibilidade do homem. [...] O protagonista da história tem tudo contra ele: a corrente do rio, a chuva constante, a névoa espessa, os outros pescadores. Precisa combater para seguir em frente e combate da primeira à última página, sem trégua e sem fôlego.

Outro apanhado da obra é este, fornecido na orelha do livro:

Num delta atemporal, um delta incontaminado e quase mágico, chega um terceto desesperado: um velho pescador, Toni, de acento romano marcado, quase desafiador... a quem lhe perguntava de que aldeia vinha, respondia que vinha daquela do mar..., uma moça, Flávia, “jogada na vida como se atiram os chicletes mascados na brita de pedra dos trilhos”, e um cão “bastardo e feliz” de nome Adolfo. Em Scano Boa, dentro do Delta do Pó, o velho vive sua última e desesperada aventura: a pesca do esturjão, que voltou a povoar as águas.

Numa espécie de versão fluvial de “O Velho e o Mar” (nota: título de romance de Ernest Hemingway), Cibotto volta às terras e lugares que lhe são mais familiares, montando cenas entre as dobras de uma paisagem só na aparência plana e uniforme, ocupada por personagens rudes e inesquecíveis.

Tenho a declarar que é uma narrativa extremamente saborosa, que merece ser traduzida, inclusive tendo como motivo as suas raízes vênetas.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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