Nasci há 41 anos, filha de agricultores lá da roça.
Meu berço não foi de ouro nem de prata, mas a esse berço foram dirigidas palavras que entraram em meu consciente da criança que fui, uma bambina (pequena criança), que, pelas expressões e palavras dos meus pais, foram implantando em mim, de forma tão espontânea, a cultura oriunda por gestos de carinho que eles também herdaram de seus antepassados vindos da Itália.
Descendente desses talians (aqueles que têm descendência de italianos) e por ser uma menina do interior, por vezes, sentia vergonha, pois as expressões tão naturais e tão espontâneas soavam com tom de deboche por quem não era capaz de compreender. Nas escolas e nas ruas, era proibido e errado parlar (falar) e, provocada por isso e sem perceber, comecei a guardar o Talian (língua vêneta) no baú, aquele baú em que guardamos objetos e tesouros importantes.
Na verdade, no meu baú passei a guardar lembranças e aprendizados que, por um tempo, ficaram protegidos, nunca esquecidos, pois aquilo que conquistei na minha infância foi como uma semente que um dia iria germinar, como uma riqueza ali guardada e a ser redescoberta. Foi através da tradição dos pais, das paixões pelas origens, que tinha a certeza de que chegaria o momento da colheita, mesmo após um tempo de espera pelo natural florescer, crescer e amadurecer.
Seja na maneira de expressar, doce ou agressivo, o Talian ressurge sem nunca esconder forma e essência de sua cultura. Ele se revela no olhar, nos gestos e nos sentimentos, traz e perpetua a riqueza da cultura vivida pelos nonos (vovô e vovó), mantém o calor da roda de conversas, aproxima as pessoas a fazer filó (encontro de pessoas), resgata os costumes por esse encontro de estar insieme (juntos). Ouvir e falar a língua Talian é dar oportunidade para irrigar o que plantamos, de fazer brotar e sorrir a alegria do encontro, da importância do sentimento do far polito (fazer bonito), da importância de desejar stème ben (fica bem).
Retorno ao meu baú agora para guardar esta alegria de reencontrar o Talian, mas, sobretudo, para preservar essa tradição de tanta importância e que merece total atenção. Seja revelado das mais diversas formas, por palavras escritas e ouvidas, em qualquer ritmo ou entonação, em qualquer texto ou em qualquer canção.
Carla Todeschini Sasso é estudante do Curso de Talian II da Unicentro-PR e integrante da Associação Vêneta de Nova Bassano (Avenoba)