Caxias do Sul 21/11/2024

Em nossos lares, professores

Há quem acredite que professor está em férias porque as escolas estão fechadas. Ledo engano!
Produzido por Roberta Debaco Tomé, 24/04/2020 às 08:01:55
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Anos 2000. Eu tinha 23 anos e havia, há pouco, me formado em Letras. Na época, cartão de crédito era raridade. Para nossas compras, o bom e velho carnê. Lembro de ter ido a uma loja comprar calçado e abrir o meu primeiro crediário. Como de praxe, documentos, comprovante de endereço, ficha cadastral.

De repente, perguntou-me a atendente: “profissão?”. Orgulhosa, respondi: “professora”. A essa resposta ouvi, compadecida, um “Coitada!”. À época, professora do estado, já éramos vítimas de compaixão. Não é novidade a situação do professor da rede pública de ensino... isso vem de longa data. Nunca foi a remuneração o que me atraiu a essa vocação; senti a nobreza do magistério.

Se aquele “coitada” me chateou por anos – porque jamais me vi assim... sempre fui feliz e abençoada na profissão que me escolheu –, o que sentir quando se lê um artigo, publicado em revista, que diz que a escola, e por extensão o professor, “finge que ensina”?

Estamos passando por uma situação atípica, doída, incerta. Logo anunciado o isolamento social, nós, professores, subitamente começamos a nos mobilizar para que a nossa voz fosse ouvida em cada lar, para que, de alguma forma, conseguíssemos mediar o conhecimento, mesmo que à distância, em domicílio. Penso que em momentos como esse, de pandemia, a educação pode ser afago, alento, motivação. Ademais, o vínculo professor-aluno não precisa se romper em virtude da distância.

Obviamente, precisamos nos reinventar. Não sou blogueira ou youtuber. Nem desejo sê-lo, inclusive. Sou das antigas... que adora o cheiro de um livro, o seu toque, o virar a página. Admiro a escrita cursiva, o desenhar da letra. Mas, certamente, tenho conhecimentos básicos de tecnologia. Domino aquilo que é essencial, neste momento, para chegar às casas de meus alunos. Logo, comecei – assim como meus colegas de profissão – a planejar, a estudar (já que a metodologia precisava ser outra), a me recriar enquanto docente.

Deu e está dando certo! Indubitavelmente, quando contamos com mais do que o nosso conhecimento, nossa voz e presença física, nem sempre as coisas saem como o planejado: por vezes, a internet nos abandona, um aplicativo não funciona bem, nosso microfone inexplicavelmente fica mudo... tantas podem ser as adversidades. Todavia, estamos firmes! Ali! Prontos, lidando com os desafios diários.

Aí, em meio aos filhos que temos, ao marido também em home-office, às panelas (porque sim, precisamos comer e alimentar a prole), às roupas a serem lavadas, casa a ser higienizada (nossas auxiliares do lar também estão em distanciamento social), às tarefas escolares dos filhos (ou filho de professor não vai à escola?), às dores que carregamos, planejamos nossas aulas, estamos em videoaula, em videoconferência com a categoria, recebendo e-mails com atividades realizadas pelos alunos. Permanecemos trabalhando! Pode parecer anedota, mas há quem acredite que professor está em férias porque as escolas estão fechadas. Ledo engano!

O processo educativo é tão diverso e múltiplo! As escolas estão abrindo janelas e apontando caminhos. Os professores estão se disponibilizando em contato virtual. Não é o ideal, certamente. Não queremos prescindir a convivência e o contato físico e interativo. O que estamos fazendo – por imposição alheia à nossa vontade – é o melhor que poderíamos fazer.

Desejamos é manter nossos alunos longe de toda essa aflição causada por doença. E o que melhor do que fornecendo atividades que não são meros passatempos? Estamos em contato via aplicativo de videochamada, mediando de todas as maneiras o conhecimento; estamos presentes, escutando seus medos, sendo, também, amparo.

Agora, falo como mãe. Sou só gratidão aos professores de minhas filhas! Enviam trilhas de aprendizagem, trabalham com videoaulas, orientam individualmente por e-mail, desdobram-se e ESTÃO EM NOSSA CASA! Que bênção!

Longe de mim querer a perfeição. Que as aulas continuem “travando”; que, por vezes, não se consiga entrar na videochamada, não se receba um e-mail... assim todos amadurecem! Aprendemos a lidar com adversidades e frustrações. Isso é crescimento! É ensino!

Nesse momento, o que todo professor deseja é empatia e altruísmo. A escola precisa, mais do que nunca, do apoio da família – pai e mãe são chamados, por circunstâncias adversas, a serem tutores de seus filhos: agora sim, literalmente, PARCEIROS DA ESCOLA.

Muitas são as lições de 2020, ainda apresentadas no primeiro semestre, e aponto duas: um país não se faz com estádios de futebol e o professor é fundamental. Não somos super-heróis, porque (ainda bem!) não temos superpoderes. Somos humanos! Erramos, mas perseveramos e nunca desistimos do que nos é mais precioso: o aluno e sua família.

Roberta Debaco Tomé é professora de língua portuguesa e literatura

e-mail: robertadebacotome@gmail.com

Da mesma autora, leia também:

Da cegonha ao guarda-roupas, só saudade

Um adolescente em isolamento social

Não se escreve porque se quer, mas porque se precisa

Ler histórias em família: vínculos para a vida toda