Caxias do Sul 22/11/2024

Do verso em latim ao verso rítmico português

Apontamentos em caderninho de 1968 elucidam os meandros do fazer poético
Produzido por José Clemente Pozenato, 17/08/2023 às 10:04:20
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”
Foto: Marcos Fernando Kirst

No dia 19 de janeiro de 1968, sexta-feira, às 10h, no Simpósio de Língua e Literatura Portuguesa, do qual participei no Rio de Janeiro, o tema foi: Da Quantidade Latina ao Verso Rítmico Português.

E Silvio Elia (1913-1998) foi o minucioso detalhista dessa passagem. Foi quando aprendi que a métrica da poesia não é apenas uma receita de linguagem, mas tem tudo a ver com as ciências exatas, ao menos com a matemática e a geometria.

Para dar uma amostra dessa especialidade literária, transcrevo a seguir algumas das anotações que fiz sobre a versificação em latim, sem nenhum retoque.

- A métrica latina no período clássico era de natureza quantitativa. Isso se obtinha pela alternância de sílabas longas e breves.

- A cesura, na Eneida de Virgílio, é depois do quinto meio pé, e divide o verso em dois hemistíquios.

- Há ainda o tempo forte marcado com icto, ou sílaba tônica, dentro de cada pé (seis ictos em cada verso) coincidindo com a primeira sílaba de cada pé, gerando ritmo.

- O ritmo é mecânico: é uma batida no tempo forte.

- Há também o ritmo vocal: é feito pela pronúncia com mais força da sílaba longa (tem caráter intensivo e não musical).

- O icto vocal só começou a aparecer mais tarde, no século III D.C., transformando de intensivo em musical o acento da palavra.

- Houve então um choque de ritmos: ou o icto do pé, ou o acento tônico. Os poetas latinos teriam procurado fazer coincidir os dois acentos (no que os estudiosos divergem). Seria o caso de Plauto e de Terêncio, autores de teatro popular, para ser ouvido.

- No exemplo que dou, o icto e a tônica não coincidem sempre. A estrutura final do hexâmetro exige um dáctilo e um troqueu que “caem” tonicamente, isto é, perdem a força tônica.

- Na poesia medieval cai o ritmo quantitativo, uma vez que a noção de quantidade começa a esvair-se com as vogais átonas.

- De Plauto a Ambrósio a métrica quantitativa ainda é usada. Mas desde o séc. III na África, o séc. IV na Itália e o séc. V na Gália já há versos somente acentuais.

- Há no início da Idade Média poesia quantitativa, mas apenas de doutos: exigia estudos estafantes. É uma poesia artificial, como a do Renascimento.

- A época e o processo de toda essa transformação ainda oferecem muitas dúvidas.

- O meio transmissor da poesia acentual foi o povo, que deu a ela fluência e harmoniosidade. Contribuíram para isso as festas religiosas com seus hinos. Depois isso passou ao lirismo do amor profano.

Essa foi a primeira metade da conferência. Na outra metade, Sílvio Elia mostrou como foi construído o ritmo da poesia em português, em mais um show de erudição.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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