A atuação do médico é um intricado equilíbrio entre a ciência, a ética e a habilidade técnica. Envolto em um véu de responsabilidades, o profissional de saúde caminha por terrenos férteis de desafios e dilemas. Um caminho onde cada passo, cada decisão, pode ser a linha tênue entre o alívio e o sofrimento, a cura e a dor.
A complexidade do papel médico se revela quando analisamos as esferas de responsabilidade que cercam essa nobre profissão. Administrativa/ética, criminal e civil, três caminhos independentes pelos quais o médico pode ser chamado a responder pelos seus atos. Como uma peça de xadrez, o profissional de saúde movimenta-se entre o tabuleiro da ética, o tribunal da lei e a intricada rede da responsabilidade civil.
No cerne da responsabilidade civil, a subjetividade emerge como protagonista. A culpa, quando atribuída, é medida pelo grau de imperícia, imprudência ou negligência. Uma tríade que delineia os contornos do erro médico.
A imperícia, como uma sombra indesejada, paira sobre o profissional que se aventura em territórios não registrados. O especialista que, desrespeitando os cânones éticos, arrisca-se em domínios desconhecidos, arquiteta um terreno fértil para a responsabilidade civil. O título de especialista, conquistado por concurso ou residência médica, torna-se um escudo ético, uma armadura contra as acusações de imperícia.
Já a imprudência, ação sem a devida cautela, ecoa como o tambor de uma batalha. O médico que, desconsiderando as consequências futuras, entrega-se a procedimentos sem o apoio de uma equipe, trilha um terreno perigoso. A alta médica precipitada, sem os devidos cuidados, torna-se um campo minado, com o potencial de detonar consequências fatais.
A negligência, por sua vez, é o descuido, a desatenção que lança sombras sobre o juramento hipocrático. O esquecimento de instrumentos cirúrgicos no corpo do doente, a falta de identificação de uma fratura, o não exame do paciente são exemplos de desatenção que se traduz em um quebra-cabeças de danos colaterais, onde o nexo causal é meticulosamente examinado pelos olhos da justiça.
Nos tribunais, a análise do erro médico se desdobra em categorias de danos: o material/ patrimonial, que se reflete na perda econômica, na lesão permanente ou temporária; o estético, que deixa marcas visíveis no corpo, cicatrizes que contam histórias de negligências e imprudências; o moral, a violação da honra e imagem, as ofensas aos direitos da personalidade.
A balança da responsabilidade médica, entretanto, não pende apenas para um lado. É uma oscilação constante entre a prova pericial e o direito à defesa. O prontuário médico, o termo de consentimento informado, o relatório da enfermagem, todos se tornam peças-chave nesse intricado jogo jurídico.
Ao paciente, cabe a responsabilidade de provar o erro médico, apresentando laudos e documentos que sustentem sua alegação; ao médico, a atenção redobrada aos registros, pois cada peça pode ser útil em sua defesa.
O tempo, implacável, também desempenha um papel crucial nesse drama. A prescrição de cinco anos, um relógio que corre inexoravelmente, impõe limites ao direito de buscar justiça. Uma dança entre prazos e ações, na qual o paciente deve agir antes que as cortinas se fechem.
Na delicada balança da responsabilidade médica, quando cada ação reverbera em vidas, a busca pela justiça se transforma em um intrincado quebra-cabeças. Um que exige, acima de tudo, a consciência de que a medicina é mais do que ciência, é também uma arte em que a responsabilidade é o pano de fundo de uma trama complexa e sensível.
Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada, com pós-graduação em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Direito Digital. Presta consultoria para empresas no ramo do direito do trabalho e direito digital. É coordenadora do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em MBA em Gestão de Previdência Privada – Fundos de Pensão, do Centro Universitário da Serra Gaúcha – FSG.
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