Foram dias em que o Rio Grande do Sul se uniu para chorar. Chorou de norte a sul, de leste a oeste. O semblante triste estava nas ruas, na fisionomia das pessoas, nos pampas verdes que ficaram encharcados de lama... Uma tristeza imensa tomou conta do peito dos gaúchos.
Como ver a vulnerabilidade, a dor, o desamparo de gente como a gente e não chorar? Como ver o bebê sendo resgatado e não se emocionar? Como perceber a família na iminência de ser salva naufragar?... Como se conter diante da dor que dilacera?
Quantas perdas, quantas dores a reclamar. Não se muda o imutável, não se altera o que já aconteceu gritava a voz dentro de mim, e ela vinha me afrontar. Memórias traumáticas que me/nos invadem fizeram parte dos dias de muitas pessoas...
Chorei muito com o que vinha até mim, cenas com verdade, com dor e muito desamparo, que engasgavam o meu futuro.
Caminhando pela rua, observava os semblantes com profunda tristeza e desalento sentidos, afinal, as cidades, o meu Rio Grande do Sul, estavam vivendo um profundo desamparo. As pessoas passavam por mim e sentia nelas o mesmo questionamento: “Senhor o que queres de nós?” E vinha rápido a devolução, que redundava em mim: “Que mudemos e que mudemos rápido”. O eco se fez presente em cada alma que de longe ou perto acompanhou, era o momento que cada um de nós precisávamos: rever onde e o que mudar.
Fiquei a observar qual o momento que tudo aquilo, aquela enxurrada sem ar, me arrastaria também. Só não percebi que já estava sendo arrastada pra dentro de mim...
Sim, o meu Rio Grande do Sul se uniu para chorar, para rezar, para auxiliar, para esperar um novo amanhecer e para se transformar.
Que continuemos a construir com o nosso lençol, cobertor, travesseiro, arroz, pão e tudo que conseguimos resgatar. Aconchegar seres dilacerados pela dor que, de alguma maneira, passam por nós.
No trajeto de volta pra casa, percebi árvores reviradas, pedras na estrada, barro a nos alcançar; porém, acima de tudo, passamos por barcos se dirigindo ao que precisava ser cuidado, reboques cheios de água e mantimentos, carros de gente como a gente, cheios de cuidado. Até carros abarrotados de ração para que os animais também não ficassem sem assistência. Era o amor se fazendo presente e a vida gritando para continuar...
Assim, as gotas da chuva se confundem com as minhas, com as suas lágrimas e, com as lágrimas de todos, formam uma só.
Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas. É palestrante e escritora, autora de oito livros: três de psicologia, três de crônicas e dois de poesia.
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