Começou o outono. Doze de fevereiro, no bairro Floresta, às catorze horas. Entre um passo e outro, ficou frio andar pelo lado da sombra e atravessamos a rua, na direção da calçada onde se deitava o sol.
Que o sol de outono, pálido e preguiçoso, deita e dorme para recuperar a energia gasta no verão sobre as areias e os milharais.
É domingo, obviamente. É sempre outono no domingo. Mesmo nas demais estações. A sensação de estarmos com um pé na animação de sábado e um pé no desânimo de segunda é o espírito do que ocorre no resto da natureza. É a inevitabilidade. No outono, como no domingo, não há mais nada a fazer: pode-se fazer qualquer coisa.
Sugestões: descobrir que aquela árvore grande é uma castanheira, colher as castanhas, cozinhar, tostar, comê-las, pensar que daqui a pouco vêm os pinhões. Calçar meias (é a meia estação por excelência). Tomar chimarrão ao sol, sentindo o cheiro quentinho das meias-calças da namorada.
Se outono é metáfora de velhice, que seja de maturidade: época de colheita, de sagra comunitária. Como diz o poema do Pozenato:
“É a hora madura
em que o homem a si mesmo saboreia,
sem afogo, em fogo lento,
que de ouro incendeia
os pomos do pomar
e a alma no almo corpo.”
O sol de outono está a cavalo entre o amarelo moranga e o branco farinha. Domingo de outono é pra comer tortéi. A tortelada no almoço dominical é a consubstanciação do outono na pança dos serranos. Hora de forrar os músculos com carboidrato e acolher com alegria os betacarotenos.
E receber as formigas que voltam da praia. É o ritual de despedida das cigarras com seu allegro vivace. Agora elas dão lugar ao adágio do sol menor.
É sempre outono no domingo e todo dia, no outono, tem um ar de que devia ser domingo. É o vento, que tira dos bolsos balas de inverno e dá vontade de edredom com perfume de amaciante.
Diferentemente das demais estações, cujas definições são compreendidas por todo mundo (no verão se morre de calor, no inverno se morre de frio, na primavera se morre espirrando), no outono se vive uma certa vaguidão, uma vaguidão precisa. Existe um outono para cada pessoa. Mais do que estação, é um trem onde cabem todos os climas e gentes.
O pior ainda não começou e, por outro lado, já passou. Olha lá a sabiá que botou ovos no forro e saúda o vizinho joão-de-barro que, em cima do poste, espalita o bico à espera da primeira geada. Tudo vai se acalmando nos pergolados do bairro. Que o outono é o maracujá das estações.
Paulo Damin é escritor e tradutor em Caxias do Sul.
Do mesmo autor, leia outro texto AQUI