A decisão de escrever minha primeira novela policial – a que dei o título de O Caso do Martelo – aconteceu dentro do quadro de pesquisas sobre a cultura da imigração italiana no nordeste do Rio Grande do Sul, da qual participei, dentro do Projeto ECIRS. Tanto que a vítima do crime tinha sido fotografada e teve seu retrato publicado num documentário do projeto.
Quando aconteceu o crime, chocante para nós, pesquisadores, todos ficamos aguardando o resultado da investigação policial, que não chegou a lugar nenhum. Concluí então que essa falha se devia ao fato de a polícia não conhecer, por debaixo dos véus, a cultura colonial. Como era leitor de Simenon, criador do detetive Maigret, que usava a técnica de mergulhar a fundo nos usos e costumes das pessoas envolvidas nos casos por ele investigados, decidi criar o meu investigador, dentro do mesmo perfil, que ganhou o nome de Pasúbio, que fui buscar num mapa geográfico da Itália.
O sucesso da obra mostrou que eu estava com a razão, o que me levou a escrever outras novelas mostrando diversos ambientes culturais da região serrana. Um crítico mineiro, Manoel Lobato, escreveu, no Suplemento Literário de Belo Horizonte, logo depois do lançamento da novela, o seguinte comentário:
Confesso que a novela de José Clemente Pozenato me entusiasmou. Numa linguagem elegante e perfeita, o autor vai apresentando, com sutileza, o delegado Pasúbio, cuja simpatia faz logo a gente ficar a seu lado, partilhando seu trabalho. (...) Numa técnica surpreendente, o leitor consegue encaixar uma verdade chocante na própria “realidade” que, por si só, já é fora do comum: a morte de um pacífico solteirão num lugarejo em que todos se estimam, sem razões maiores para casos passionais ou, como dizem os jornalistas, “tais gestos tresloucados”.
(In: Suplemento Literário, BH, 13 jul. 1985, p.10)
Tempos depois, a UCS recebeu por convênio, em seu Centro de Documentos, o CEDOC, uma documentação judiciária de Caxias do Sul, da primeira metade do século passado, que se tornou uma fonte de pesquisa de outros fatos escondidos “debaixo dos véus”. Uma delas, de autoria de Cristiane Cauduro Langaro, com o título de O Rosto da Lei, foi publicada pela Editora IMED, de Passo Fundo, em 2006. A obra é resultado de uma dissertação de mestrado, que teve a orientação de Mario Maestri, de quem recebi um exemplar por ele autografado.
É de Mario Maestri o prefácio do livro, a que deu o título de Dez janelas para o passado, numa referência ao fato de que a pesquisa teve por base dez processos judiciais sobre delitos ocorridos entre 1930 e 1945. Essas “dez janelas” mostram casos de violência contra a mulher, abusos sexuais contra menores, e até mesmo uma história de adultério ocorrida em Galópolis: um operário do lanifício, casado, seduziu a empregada da casa. Outro fato curioso é a de um baiano que chegou a Caxias dizendo que era especialista em Ciências Ocultas, sendo capaz de prever o futuro e de praticar magias para resolver casos de amor e pôr fim em doenças. Acabou no tribunal por seduzir uma cliente.
Todas as culturas escondem fatos e situações debaixo de véus. A novela policial e a pesquisa de documentos abrem caminhos que a tradição, seja ela oral ou escrita, não costuma percorrer.
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.
pozenato@terra.com.br
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