Sim, seu pai segue a lhe acompanhar. Nos aprendizados que lhe passou, nos registros que você mantém e em tudo que sentiu na presença dele. Observá-lo, inclusive, foi fonte de conhecimento.
Até mesmo ele está com você, nas suas tentativas de ser diferente dele, de querer ser melhor, de não se atrapalhar tanto, de querer mudar coisas que hoje, com olhos de adulto, percebe que poderiam ser diferentes...
Mas ele fez um bom trabalho, te ajudou a perceber até os desatinos dele... Hoje você enxerga diferente, ampliou seu olhar, então, ele fez um ótimo trabalho. Deu mais do que tinha, ensinou mais do que aprendeu...
Os vínculos, aqueles elos que te ligam a ele, as seguranças, as ambivalências, a própria prevalência de insegurança, são também passados de pai para filho. Sua relação com a vida, consigo mesmo e com as pessoas foi aprendida. Seu pai foi um grande influenciador...
Ele era seu herói, sim, você me contou isso! E é ali que ele tem/tinha toda sua admiração. Seu olho brilhava ao olhar pra ele. Acreditava que ele, sim, entendia a vida, sabia de tudo e você o admirava tanto...
Esse mesmo pai foi mudando. Pera aí! Não, ele não mudou tanto assim. Foi você que continuou crescendo e agora enxerga diferente de como se construiu...
O olhar muda, os sentimentos mudam, e agora você é pai também - quantas lembranças a lhe invadir... O pai que você teve em confronto com o pai que você é. O que fazer?...
Como seus olhos brilhavam de admiração por seu pai, nos dias que correm, você vê os olhos de seu pequeno Luca, Joaquim, Gabriel, Matias... te olhando assim também...
Hoje seu pai ainda está na frente dos olhos que brilham, ou, você enxerga diferente agora?
Você carrega o “vai, você consegue”, “você é capaz” bem junto de si. Quantas e quantas vezes esse registro foi impresso no seu íntimo. Seu pai, ali presente, te construindo para você ir para sua vida fortalecido... Ao contrário de seu amigo João, que você encontra no café da esquina, e não entende como ele não consegue ter uma direção.
Perceba que ninguém disse que ele seria capaz, e hoje ele não encontra um lugar seguro, nem um jeito de fazer as coisas darem certo. O valor construído internamente em você foi muito diferente do dele. João poderia ter tido outra pessoa ajudando-o a se construir mais capaz, mas só o que ouviu foi o silêncio e palavras de desvalor. Aos trancos e barrancos ele foi se construindo, e hoje quem representa esse olhar que o ajuda a se direcionar é o seu! Você o ajuda a pensar, a construir caminhos mais seguros. Deixa registros de carinho e incentivo.
Hoje você volta pra casa cansado, permeado de conteúdos com os quais lidou o dia todo, e mescla com a vida que encontra ali, ao abrir a porta... uma nova etapa do mesmo mundo interno continua a existir...
Mudam os números, as tabelas, as dificuldades do dia... ao olhar dois bracinhos abertos que vêm correndo ao seu encontro pra te abraçar, um sorriso nos seus lábios mostra um novo começo, nutre suas esperanças, alivia a tensão num possível recomeçar.
Ah... como é bom ter e ser pai. Ser pai do filho, do amigo e de si mesmo...
Sabendo que se está em constante transformação...
Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas. É palestrante e escritora, autora de oito livros: três de psicologia, três de crônicas e dois de poesia.
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