Provocar emoções. Amassar. Aquecer. Ferver. Salpicar. Misturar texturas e temperos. Diluir. Grelhar. Derrrrrreteeeerrrrr. Adicionar. Flambar. Refogar. Marinar. Engrossar. Fritar. Selar. Assar. Cortar. Fatiar. Clarificar. Confitar. Deglassar. Emulsionar. Gratinar... Provocar emoções.
Adoro temperar minha vida conjugando esses verbos. Cozinhar para os afetos, para a família, para os amigos, é um prazer que desde cedo aflorou em mim. Criança, fazia tortinhas de barro enfeitadas com pétalas de flores e pedrinhas. Adolescente, preparava lanchinhos inusitados para os amigos. Casada, aí fui me revelando aos poucos, fazendo as refeições diárias.
Costumávamos nos reunir, para jantar, nas noites de sábado, com nossos amigos – cada sábado na casa de um casal –, e eram refeições feitas em casa, com identidade. Amados e inesquecíves Nílton Scotti e a sua Rose (carnes à vinagrete), Márcio Festugato e a prima Rosa (a massa com as perdizes), Kleber Fasoli e a linda Rejane (bifes à milanesa crocantes), o Dago Fortuna e a alegre Ana (fondues), Horácio Simões e a querida Vita (feijoada mineira e batatas assadas). Existe algo mais carinhoso do que passar algumas horas preparando algo especial para quem você ama?
Com o passar dos anos, tornei-me a cozinheira oficial da família. Nos veraneios, dou vazão ao meu doce prazer de fazer tudo bem feitinho. Hoje, vejo poesia no fazer culinário. Os aromas. Os temperos. As texturas. As combinações. As possibilidades ...
Assim, foi maravilhoso fazer um curso com o Chef Atala. Todos podemos cozinhar bem. É só querer.
Milad Alexandre Mack Atala é chef de cozinha (ele afirma que eventualmente é chef, quando comanda uma equipe, mas ele se sente cozinheiro, como qualquer pessoa, nós, enquanto prepara os alimentos). Geminiano, nascido em junho de 1968, destaca-se dentre os melhores chefs do mundo. Sua trajetória de vida revelou um homem com poder intelectual, escreveu vários livros, é respeitado pela seriedade e determinação com que levou ao mundo a essência brasileira em ingredientes – especialmente a mandioca, utilizada na alimentação desde o descobrimento do Brasil pelos donos da terra, nossos indígenas.
Conhece a fundo a biodiversidade brasileira e a alia com a base da culinária francesa. Por isso seu estilo é único. Proprietário de dois restaurantes estrelados pelo Guia Michelin – “D.O.M.” (sexto melhor do mundo) e “Dalva e Dito” em São Paulo. Prioriza as raízes do Brasil, olha para o futuro, pelos cuidados com a natureza – valoriza o pequeno produtor – e adverte – quem desmata, mata. Cuide da natureza, deixe-a regenerar-se. Use o ingrediente na totalidade. É um respeito a você, ao próximo, ao meio-ambiente e para quem doou a vida para nos alimentar: os vegetais e os animais. Isso é tão... fiquei sem palavras.
Pois é, este chef que se diz cozinheiro flambou meus dias em onze aulas on-line, deliciosas pela maneira apaixonada do fazer culinário dele, da ideia de extrair dos ingredientes o melhor sabor pelas técnicas, utensílios, possibilidades. O mundo gastronômico não tem limites. Há uma miríade de ingredientes e sabores que desconhecemos. Por isso, a grande chave da cozinha é criar um universo de sabores.
Mais de 30 anos nesse métier, inúmeras viagens ao exterior, palestras, aulas, eventos e programas de tevê, sempre com a ênfase nas raízes brasileiras, Chef Atala construiu um valioso conhecimento. Por este motivo (há muitos mais), admiro o chef pela generosidade de compartilhar seu conhecimento, ensinar, divulgar. Eu acredito que um conhecimento retido não tem valor, ou só o tem para aquele que o possui. Alguns chefs não divulgam seus “segredos”, já ouvi de pessoas – ah, não dou a receita, é segredo de família. Respeito, mas não simpatizo com esse pensar.
Segundo o Chef – a comida é a forma essencial de nos conectarmos com outras pessoas, com os povos e com as culturas.
Imagino uma refeição em que o chef senta com as pessoas, revela produtos e histórias de lugares e de escolhas do receituário; isso deve ser como um oásis nestes tempos acelerados de fast food.
Certificado consolida vocação despertada ainda na infância
Marinei algumas reflexões sobre o que aprendi. Além de várias receitas, técnicas, métodos, opções, deduzi que o Chef Atala não é um cozinheiro, ele faz/cria/produz arte na cozinha. E a arte desperta emoções e lembranças. A arte que ele faz atiça além dos cinco sentidos, além dos cinco sabores. O fascínio é a alavanca que o impulsiona no ato de cozinhar e criar novos sabores.
Este curso me salpicou com novas perspectivas de uso dos ingredientes. E que não dá para imaginar uma cozinha sem sal. Sal não é tempero, ele potencializa o sabor natural dos ingredientes.
Na última terça-feira, coloquei em prática uma das sugestões do Chef Atala – sabe aquele frango assado que a avó e a mãe faziam? A comida afetiva. Foi o melhor que já fiz. Penso que o peru de Natal não vai ter vez. Simples. Saboriza o frango com pimenta do reino, alho e sal, introduz sob a pele a sálvia, coloca manteiga generosamente, alhos e cebolas. Até aqui meu leitor ou leitora dirá, nada demais. O plus fica por conta do recheio – meio abacaxi em cubos. As enzimas do abacaxi amaciam a carne do frango. Indescritível em palavras o sabor.
As técnicas especiais de preparo do prato...
...resultam em saboroso exemplo de comida afetiva!
Outro ensinamento que me tocou – ao cozinhar, façamos em silêncio, em concentração, não falemos, provemos para corrigir, tudo “ devagarzinho” ou “ tout doucement”. Para além da cozinha, estou me impondo transferir esse respeito, organização e concentração, e o silêncio, em minhas atividades cotidianas, desde as mais prosaicas até... onde a imaginação permitir. Concentrada e em silêncio, quero viver intensamente. Com suavidade, tout doucement, o ínfimo pode se tornar sublime.
Esse repertório – da interpretação cultural dos sabores, da comida de verdade, das técnicas de cocção, da importância das nossas raízes – a mandioca, o uso integral dos ingredientes, a essência da galinhada, das carnes, queijos, frutos do mar, das frutas nacionais, dos vegetais, do filet mignon com aligot... agora incorporou, selou em mim.
Amei entender os conceitos de acidez, leveza, refrescância, crocância, o cozimento, a fervura, o dulçor, o sabor umami, e do que faz o caldo lindo, aveludado, espelhado do feijão como o Chef faz no D.O.M. Chef Atala explicou como faz passo a passo.
Aprendi com este curso muitas coisas que não sabia - como os líquidos migram nas carnes, devemos deixá-las descansar por alguns momentos antes de servi-las para que eles ocupem os espaços. O peixe assado com cobertura de sal grosso. A peixada. A galinhada. Como preparar uma alcachofra. O risoto de alcachofra. Um bom caldo e um bom molho fazem a diferença. O molho rôti. E me apaixonei pelo aligot – um purê com 50% de batata e 50% de queijo – nhammm. E os medalhões de filé ficam mais bonitões com um cordão amarrado na “cinturinha” – diz o Chef – ficam mais sexy.
Bem, segui o exemplo do chef ao compartilhar com os caros leitores o que ele me ensinou. Milhares de pessoas o acompanharam, mas gosto de pensar que as aulas foram para mim. Eu o respeito profundamente e o admiro cada vez mais. Apresentou os ingredientes brasileiros para o mundo. É uma referência gastronômica mundial. Sorridente. Simpático. Apaixonado pelo que faz. Sua frase preferida para montar um prato é “elegantemente desarrumado”. Persona carismática, com muitas tatoos (que lhe caem muito bem), barba e cabelos brancos e, além do mais, é bonitão.
Ah, sorriram?
Então venham.
Tá na mesa !!
FOTOS: Marília Frosi Galvão
Marilia Frosi Galvão, professora, escritora e cronista
galvao.marilia@hotmail.com
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